Aportes marxistas à questão ambiental

O interesse da burguesia, pela própria lógica do capital, é mercantilizar o meio ambiente e extrair os recursos naturais da forma mais predatória possível para aumentar seu lucro. Isso afeta diretamente a existência das pessoas que não têm meios de fugir dos problemas climáticos decorrentes dessa atuação violenta.

8 de Junho de 2025 às 0h00

Reprodução/Foto: Alai.

Por Gui V.

Ecologia sem luta de classes é jardinagem.
(Chico Mendes)

Ao estudar a obra de Marx, vemos que ele tratou de assuntos que envolvem o meio ambiente desde muito cedo – e muito mais extensamente do que se costuma pensar. Já nos seus escritos sobre o roubo de madeira e nos Manuscritos filosóficos de 1844 existem menções ao assunto. Ele não parou por aí e continuou desenvolvendo suas visões a respeito do tema até o final da vida, inclusive tratando disso periodicamente n’O Capital.

Engels não fica escanteado nesse debate: tanto no começo de sua vida política, em textos como A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, quanto no fim da vida, como na sua Dialética da natureza, o “segundo violino” se dedicou muito aos estudos das ciências naturais e, também, à questão ambiental, de forma mais ou menos direta. Seus escritos também são cruciais para estudar a ecologia de forma materialista e dialética.

Considerando isso, quando falamos de aportes marxistas que influenciam a leitura dos comunistas sobre a questão ambiental, existem dois pontos que são especialmente importantes: a lei da luta de classes e os conceitos conexos de metabolismo social e de ruptura metabólica. O texto que segue é um capítulo de um estudo mais amplo sobre a leitura marxista-leninista da questão ambiental.

Metabolismo social e Ruptura Metabólica

As contribuições mais robustas de Marx para o estudo da ecologia giraram em torno da agricultura no capitalismo e o impacto que ela tem na fertilidade do solo – algo analisado particularmente no Livro 3 d’O Capital e, em menor medida, no final do capítulo sobre a maquinaria do Livro 1. [1] As suas análises proporcionam importantes ferramentas para o entendimento da atual crise climática. Nesse aspecto, a contribuição teórica mais relevante que Marx deixou foi o conceito de ruptura metabólica (às vezes traduzido como fenda metabólica), desenvolvida n’O Capital. Esse conceito está intrinsecamente relacionado a outra ideia marxiana, desenvolvida no mesmo texto: o conceito de metabolismo social. Mas vamos por partes.

Nas suas obras de maior maturidade, incluindo os Grundrisse e O Capital, Marx se dedicou a estudar a questão ambiental particularmente no que tange ao exaurimento do solo. Marx deu muita importância ao estudo da química dos solos e da ecologia no sentido do uso e desgaste dos solos pela produção capitalista. Isso é evidenciado principalmente pelos extensos estudos que o autor fez da obra de Justus von Liebig, um importante químico alemão, para a redação do primeiro volume d’O Capital.[2]

Como já mencionado, o autor alemão desenvolveu o conceito de metabolismo social – que em muitos momentos aparece simplesmente como “metabolismo” nos seus escritos. De forma breve, tal conceito diz respeito ao equilíbrio entre a humanidade e a natureza, nossa interdependência sócio-produtiva. Tal aporte surge logo no primeiro capítulo d’O Capital [3], tornando Marx o primeiro autor a utilizar tal termo, que tinha seu uso restrito ao campo das ciências naturais ao longo do século XIX, para o estudo da economia política e da sociedade. Esse conceito é tão relevante que Marx lança ele ao caracterizar um dos conceitos fundamentais da crítica da economia política: o trabalho.

O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza.[4]

Esse conceito foi sistematizado e estudado mais a fundo por autores subsequentes:

Uma definição geral ou padronizada de metabolismo social foi feita por Fisher-Kowalski e Haberl (1997). Eles definem o termo como a forma particular na qual sociedades estabelecem e mantém sua entrada [input] e saída [output] para a natureza e a forma na qual elas organizam a troca de matéria e energia com o meio ambiente. Metabolismo social também pode se mostrar como uma teoria que explica a mudança socioambiental (Fisher- Kowalsky and Haberl 1997, 2007; Sieferle 2001, 2011; González de Molina and Toledo 2011), também já foi usado como um kit de ferramentas metodológicas útil para analisar o comportamento biofísico de economias  (Matthews et al. 2000; Haberl 2001a, b; Weisz 2007). Em todas as suas aparições, o metabolismo social é uma nova perspectiva para analisar as relações entre sociedade e natureza desde suas bases materiais, principalmente pelo estudo do movimento [flow] de energia e materiais.[5]

Tal conceito também fica mais claro na seguinte passagem do volume 3 d’O Capital:

Aqui, a liberdade não pode ser mais do que fato de que o homem socializado, os produtores associados, regulem racionalmente esse seu metabolismo com a natureza, submetendo-o a seu controle coletivo, em vez de serem dominados por ele como por um poder cego; que o façam com o mínimo emprego de forças possível e sob as condições mais dignas e em conformidade com sua natureza humana.[6]

Nos Grundrisse, Marx deixa claro também que o capitalismo foi o meio que levou à “dessacralização” da natureza e à sua submissão total à humanidade, um ponto focal para a destruição do meio ambiente e seu menosprezo:

Portanto, da mesma maneira que a produção baseada no capital cria, por um lado, a indústria universal – isto é, trabalho excedente, trabalho criador de valor –, cria também, por outro lado, um sistema da exploração universal das qualidades naturais e humanas, um sistema da utilidade universal, do qual a própria ciência aparece como portadora tão perfeita quanto todas as qualidades físicas e espirituais, ao passo que nada aparece elevado-em-si mesmo, legítimo-em-si-mesmo fora desse círculo de produção e troca sociais. Dessa forma, é só o capital que cria a sociedade burguesa e a apropriação universal da natureza, bem como da própria conexão social pelos membros da sociedade. Daí a grande influência civilizadora do capital; sua produção de um nível de sociedade em comparação com o qual todos os anteriores aparecem somente como desenvolvimentos locais da humanidade e como idolatria da natureza. Só então a natureza torna-se puro objeto para o homem, pura coisa da utilidade; deixa de ser reconhecida como poder em si; e o próprio conhecimento teórico das suas leis autônomas aparece unicamente como ardil para submetê-la às necessidades humanas, seja como objeto do consumo, seja como meio da produção. O capital, de acordo com essa sua tendência, move-se para além tanto das fronteiras e dos preconceitos nacionais quanto da divinização da natureza, bem como da satisfação tradicional das necessidades correntes, complacentemente circunscrita a certos limites, e da reprodução do modo de vida anterior. O capital é destrutivo disso tudo e revoluciona constantemente, derruba todas as barreiras que impedem o desenvolvimento das forças produtivas, a ampliação das necessidades, a diversidade da produção e a exploração e a troca das forças naturais e espirituais.[7]

Ou seja, o capital submete a própria natureza aos seus interesses e em seus termos, transformando-a em “puro objeto para o homem, pura coisa da utilidade”. Isso arruina o metabolismo – o equilíbrio – entre sociedade e natureza.

Aqui vemos também como Marx era um crítico da concepção antropocêntrica do mundo, que coloca a humanidade como foco da existência em detrimento a outros elementos do mundo natural. Veremos, mais à frente, que Engels também seguiu por esse caminho.

Partindo disso, Marx desenvolve n’O Capital (volumes 1 e 3) o conceito de ruptura metabólica. Esse é possivelmente o conceito mais nuclear para o estudo materialista da ecologia política e, consequentemente, da atual crise ambiental. Tal conceito diz respeito à ruptura desse metabolismo entre a humanidade e a Terra. Ou seja, algo nas linhas da disrupção do nosso “equilíbrio sócio-produtivo” com a natureza. No final da seção VI do livro 3 d’O Capital, Marx diz o seguinte:

Por outro lado, a grande propriedade do solo reduz a população agrícola a um mínimo em diminuição constante e opõe-lhe uma população industrial cada vez maior, aglomerada em grandes cidades, gerando assim as condições para uma ruptura irremediável no metabolismo social, prescrito pelas leis naturais da vida; dessa ruptura decorre o desperdício da força da terra, o qual, em virtude do comércio, é levado muito além das fronteiras do próprio país. (...) A indústria e a agricultura em grande escala, exploradas de modo industrial, atuam de forma conjunta. Se num primeiro momento elas se distinguem pelo fato de que a primeira devasta e destrói mais a força de trabalho e, com isso, a força natural do homem, ao passo que a segunda depreda mais diretamente a força natural da terra, posteriormente, no curso do desenvolvimento, ambas se dão as mãos, uma vez que o sistema industrial na zona rural também exaure os trabalhadores, enquanto a indústria e o comércio, por sua vez, fornecem à agricultura os meios para o esgotamento do solo.[8]

Na mesma linha, no final da seção IV do livro 1, o pensador alemão diz o seguinte:

Com a predominância sempre crescente da população urbana, amontoada em grandes centros pela produção capitalista, esta, por um lado, acumula a força motriz histórica da sociedade e, por outro lado, desvirtua o metabolismo entre o homem e a terra, isto é, o retorno ao solo daqueles elementos que lhe são constitutivos e foram consumidos pelo homem sob forma de alimentos e vestimentas, retorno que é a eterna condição natural da fertilidade permanente do Solo. (...) Mas ao mesmo tempo que destrói as condições desse metabolismo, engendradas de modo inteiramente natural-espontâneo, a produção capitalista obriga que ele seja sistematicamente restaurado em sua condição de lei reguladora da produção social e numa forma adequada ao pleno desenvolvimento humano. (...) E todo progresso da agricultura capitalista é um progresso na arte de saquear não só o trabalhador, mas também o solo, pois cada progresso alcançado no aumento da fertilidade do solo por certo período é ao mesmo tempo um progresso no esgotamento das fontes duradouras dessa Fertilidade. (...) Por isso, a produção capitalista só desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social na medida em que solapa os mananciais de toda a riqueza: a terra e o trabalhador.[9]

Ou seja, pela organização irracional do capitalismo sobre sua produção agrícola, os solos eram desgastados ao máximo levando a uma irrupção do metabolismo social entre sociedade e natureza. Marx dá tanta importância para tal ponto que ele chega, como apontado pela citação acima, a equiparar a exploração e expropriação da classe trabalhadora com a exploração ambiental.

Tendo isso em mente, pode-se concluir que Marx considerava a relação da humanidade com o meio ambiente como um ponto chave para entender (e criticar!) o capitalismo. A luta pelo fim do capitalismo e suas contradições deve, portanto, passar pela mudança da nossa relação destrutiva com o meio ambiente.

Luta de Classes e Crise Climática

A lei da luta de classes começou a ser estudada  por Marx e Engels n’A ideologia alemã e foi primeiramente sistematizada no Manifesto do partido comunista em 1848. Marx e Engels a explicam como o combate inevitável entre os interesses materiais antagônicos das classes em luta, sejam elas quais forem.[10] Partindo disso, podemos analisar a crise climática e seus impactos na humanidade tendo por lente essa lei fundamental apresentada pelos autores alemães. Para fazer isso, precisamos entender quais são os interesses materiais da burguesia e do proletariado em relação ao meio ambiente (e à sua proteção) e como esses interesses são opostos.

Em O Capital, Marx explica que o capitalismo tem por mecanismo interno a mercantilização de tudo ao nosso redor. Uma das primeiras vítimas desse processo de mercantilização da vida foi o meio ambiente – podemos dizer, inclusive, que foi a primeira de todas, com as leis de cercamentos na Inglaterra que cristalizaram a propriedade privada e a mercantilização da terra. Posteriormente, na mesma linha, Marx tratou das leis sobre o roubo de madeira, por exemplo.[11]

A relação entre capitalismo e meio ambiente sempre foi catastrófica. Desde o desaparecimento dos pântanos na Europa entre os séculos XVI e XVIII, passando pelo desmatamento para a produção agropecuária de grande escala até a poluição do ar pelos gases de efeito estufa produzidos através da queima dos derivados de petróleo. Isso parte do interesse da burguesia de colocar a busca pelo lucro em cima do meio ambiente e sua preservação. Como o próprio Marx explicou acima, o capital tira seu proveito, ao mesmo tempo, dos trabalhadores e da Terra.

Esses problemas derivados da crise ambiental e climática não afetam toda a humanidade de forma igual (diferente do que a mídia e os ideólogos burgueses às vezes tentam afirmar, dizendo algo no estilo de “estamos todos no mesmo barco”, e de que, até certo ponto, todos nós somos culpados pela crise climática [12]). Assim, entre todas as pessoas que sofrem com as consequências da crise climática e ambiental existe uma característica em comum: todo mundo faz parte da classe trabalhadora. A burguesia não tem sua sobrevivência – e, em grande medida, nem mesmo sua qualidade de vida – ameaçada pelos problemas ambientais. A burguesia pode facilmente ir para lugares que não serão impactados pelo aumento do nível do mar, por exemplo. Ou para ilhas distantes da poluição do ar. E é também verdade que, no cenário apocalíptico de destruição total do planeta pelo capitalismo, a burguesia já projeta a possibilidade de se esconder em bunkers ou mesmo fugir do planeta (vide o bilionário Elon Musk dizendo que pode enviar um milhão de humanos para Marte até 2060[13]).

Nesse sentido, fica claro que o proletariado tem um interesse particular em defender o meio ambiente e frear a crise climática: trata-se, efetivamente, de uma questão de sobrevivência.

Trocando em miúdos: o interesse da burguesia, pela própria lógica do capital, é mercantilizar o meio ambiente e extrair os recursos naturais da forma mais predatória possível para aumentar seu lucro. Isso afeta diretamente a existência das pessoas que não têm meios de fugir dos problemas climáticos decorrentes dessa atuação violenta. O interesse dessas pessoas – do proletariado – é, portanto, evitar o agravamento da crise climática para garantir sua própria sobrevivência. O interesse do proletariado (frear a crise climática) deve ser, portanto, diretamente antagônico ao interesse da burguesia (reproduzir e acelerar a crise climática) – a depender da leitura, podendo ser entendido inclusive não apenas como um interesse, mas como uma real incapacidade da burguesia de alterar o cenário atual.[14]

Considerando isso, fica evidente que existe uma razão material para a defesa do meio ambiente pelo movimento comunista, visto que o proletariado tem um interesse claro, imediato e material relacionado a isso – interesse esse que é, evidentemente, antagônico ao interesse da burguesia.

Engels e a Ecologia

Assim como Marx, Engels também tem uma obra muito relevante na área da ecologia política. Inclusive, seus escritos são muito mais extensos que aqueles de Marx sobre o tema, perpassando muitos momentos da vida de Engels.

Apesar de seu texto de caráter “ecológico” principal ser Dialética da natureza, uma obra já do final de sua vida, existem aspectos ecológicos ao longo de vários outros textos, como em A situação da classe trabalhadora na Inglaterra e em Sobre a questão da moradia. No primeiro, por exemplo, Engels relaciona os problemas epidemiológicos do proletariado inglês à alteração ambiental causada pela recente revolução industrial.[15] No segundo, o autor fala sobre a importância de abolir a separação estrita entre campo e cidade com o objetivo de equilibrar o fluxo de matéria entre os dois ambientes e evitar a enorme poluição das cidades e do mar que ocorria.[16] Sem dúvidas, pelo menos nesses textos de juventude, a crítica da economia política de Engels vinha acompanhada de uma crítica ecológica do capitalismo e das impactantes condições ambientais da classe trabalhadora.[17]

Além de tais textos no início de sua vida intelectual, textos do velho Engels, como o Anti-Dühring e, especialmente, a sua Dialética da natureza têm importante valor para sua crítica ecológica. Nessa última, por exemplo, Engels combate a noção antropocêntrica do mundo, concepção essa que muitas vezes é usada para justificar o controle humano sobre a natureza. Como comunistas, nosso dever teórico é sempre o de buscar entender a totalidade da realidade que nos contorna para melhor balizar nossa atuação política. Nesse sentido, fugir da ideia de antropocentrismo deveria percorrer nosso pensamento naturalmente, em especial quando falamos sobre ecologia política, de forma a reverter a ruptura metabólica causada pelo capitalismo e, de certa forma, pelo antropocentrismo liberal. Como explica Engels:

E assim, somos a cada passo advertidos de que não podemos dominar a Natureza como um conquistador domina um povo estrangeiro, como alguém situado fora da Natureza; mas sim que lhe pertencemos, com a nossa carne, nosso sangue, nosso cérebro; que estamos no meio dela; e que todo o nosso domínio sobre ela consiste na vantagem que levamos sobre os demais seres de poder chegar a conhecer suas leis e aplicá-las corretamente.[18]

Em conclusão

Com esse curto texto, busquei indicar, para além de alguns aportes teóricos importantes de Marx e Engels a respeito da ecologia e do meio ambiente, que nós, os comunistas, não somos estranhos à ecologia política. Muito pelo contrário: desde Marx e Engels os comunistas tratam do assunto, e o fazem com profundidade e seriedade.

Esse processo não se interrompeu com a morte dos dois alemães no final do século XIX. Comunistas posteriores continuaram esses trabalhos e, após as primeiras revoluções socialistas do século XX, os comunistas começaram inclusive a estabelecer importantes pesquisas e políticas ambientais. Foi logo nas primeiras décadas da União Soviética, por exemplo, onde o desenvolvimento da ecologia marxista se deu com maior profundidade inicialmente.[19] Além disso, o estudo ecológico lá foi o mais avançado do mundo entre as décadas de 1960 e 1990 – tendo sido os pesquisadores soviéticos que mais avançaram no campo de estudos da climatologia, inclusive[20] –, além do país ter implementado importantes políticas de conservação ambiental e de despoluição.[21] E isso sem falar de outras experiências importantes em relação à pesquisa e preservação ambiental como em Burkina Faso, em Cuba ou na China.

O que quero dizer com isso é que os comunistas – e isso inclui os marxistas-leninistas – tratam da ecologia e das mudanças climáticas há muito tempo. A nossa práxis política, nesse sentido, não pode abandonar esse importante campo de luta para a classe trabalhadora. Socialismo e ecologia andam juntos há muito tempo[22], e os ensinamentos de um podem, e devem, complementar os ensinamentos do outro.


Notas

[1] “As duas principais análises de Marx sobre a agricultura moderna concluem em uma análise do “aspecto destruidor da agricultura moderna”. Nessas passagens [em que Marx fala em O Capital sobre agricultura e a obra de Liebig], Marx enuncia diversas coisas fundamentais: 1) o capitalismo rompeu de forma “irreparável” “a interação metabólica” entre os seres humanos e a Terra, ou seja a condição eterna, imposta pela natureza, da produção; 2) esse problema exige a “restauração sistemática” dessa relação metabólica necessária como “lei de regulação da produção social”; 3) de toda forma, o crescimento no quadro do capitalismo de agricultura em grande escala e do comércio de grandes distâncias só faz agravar e extender essa ruptura metabólica; 4) o empobrecimento dos solos, a perda de nutrientes, tem como contrapartida o desenvolvimento da poluição e lixo urbanos – “em Londres, escreve ele, não encontramos nada de melhor a fazer do lixo advindo de 4 milhões e meio de homens do que poluir, de forma grande, o Tâmisa” –; 5) a indústria e a agricultura mecanizadas em grande escala colaboram para esse processo de destruição, “a indústria e o comércio fornecem à agricultura os meios de enfraquecer a terra”; 6) tudo isso exprime o antagonismo entre cidade e campo, característico do regime capitalista; 7) uma agricultura racional, que tem por pressuposto ou pequenos agricultores independentes produzindo cada um em seu canto, ou a ação de produtores associados, é impossível no quadro do capitalismo moderno; e 8) as condições existentes impõem uma regulação racional e a relação metabólica entre seres humanos e a Terra, o que aponta para além da sociedade capitalista, em direção ao socialismo e ao comunismo.” FOSTER, John Bellamy. Marx ecology in historical perspective. International socialism journal, nº 42, inverno 2002. Tradução minha.
[2] “O estudo sobre a renda da terra, o penúltimo capítulo [do livro I d’O Capital] , constitui quase um livro por si só em sua redação atual. Eu ia ao Museu durante o dia e durante a noite escrevia. Tive que me aprofundar na nova química agrícola alemã, nomeadamente Liebig e Schönbein, que são mais importantes nesta área que todos os economistas juntos e, por outra parte, tive que escavar a enorme massa de documentos que os franceses produziram sobre o tema desde a última vez que dele me ocupei.” Carta de Marx a Engels de 13 de fevereiro de 1866. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Cartas sobre O Capital. Expressão Popular: São Paulo. 2020. P. 190-191. Grifos meus.
[3] “Como criador de valores de uso como trabalho útil, o trabalho é, assim, uma condição de existência do homem, independente de todas as outras formas sociais, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana.” MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. P. 120. Grifos meus.
[4] MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. P. 255. Grifos meus.
[5]  MOLINA, Manuel González de; TOLEDO, Victor. The Social Metabolism: A Socio-Ecological Theory of Historical Change. Londres: Springer. 2014. Cap. 3. Tradução minha. Grifos meus.
[6]  MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro III: o processo global da produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017. Cap. 48. Grifos meus.
[7] MARX, Karl. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo ; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011. Capítulo III. Capítulo do capital (continuação): Segunda seção: o processo de circulação do capital. Grifos meus.
[8] MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro III: o processo global da produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017. Cap. 47. Grifos meus.
[9] MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. P. 572-574. Grifos meus.
[10]  Ver: MARX, Karl; ENGELS, Friederich. Manifesto do partido comunista. 1848. Cap. 1. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/cap1.htm
[11] Ver: MARX, Karl. Os despossuídos: debates sobre a lei referente ao furto de madeira. São Paulo: Boitempo, 2017.
[12] “Para Wallace-Wells, a devastação ecológica não foi causada por muitos sob poucos. Em vez disso, “cada um de nós impõe algum sofrimento ao nosso futuro cada vez que acionamos um botão, compramos uma passagem de avião ou deixamos de votar”. Não importa que 1,2 bilhão de pessoas hoje tenham pouco ou nenhum acesso à eletricidade. Ou que oitenta por cento da população mundial nunca voou. Ou, o mais flagrante, os executivos da ExxonMobil já sabiam que sua indústria estava destruindo o planeta em 1977, mas optaram por ocultar suas descobertas e financiar a pesquisa sobre mudança climática – negando a pesquisa porque havia dinheiro a ser feito matando as gerações futuras. Culpar a todos igualmente em face de tal desigualdade extrema é ficar do lado do capital fóssil. O argumento mais nega do que esclarece o óbvio: a crise climática é um espaço de luta de classes.” DEAN, Jodi; HERON, Kai. Ruína ou revolução. Disponível em: https://lavrapalavra.com/2021/02/26/ruina-ou-revolucao/.
[13]https://www.nationalgeographic.com/science/article/elon-musk-spacex-exploring-mars-planets-space-science
[14] “Engels indicou que a classe capitalista era ‘uma classe que sob a qual a liderança faz com que a sociedade avance rumo à ruína como uma locomotiva cuja válvula de escape o motorista já não tem mais força para abrir’. Era justamente a inabilidade do capital de controlar ‘as forças produtivas, que já cresceram para além de seu poder’, incluindo os efeitos destrutivos impostos contra os ambientes naturais e sociais, que estaria ‘levando a totalidade da sociedade burguesa para ruína ou revolução”. ENGELS, apud FOSTER, John Bellamy. Capitalism in the anthropocene: Ecological ruin or ecological revolution. Nova Iorque: Monthly review press, 2022. P. 297. Tradução minha.
[15] Ver: ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo. 2010. Capítulo 2: as grandes cidades.
[16]“A abolição do antagonismo entre cidade e campo é uma utopia tanto quanto a abolição do antagonismo entre capitalistas e trabalhadores assalariados. Dia após dia, ela se torna uma exigência prática tanto da produção industrial quanto da produção agrícola. Ninguém a exigiu mais enfaticamente do que Liebig em seus escritos sobre a química da agricultura, nos quais sua primeira exigência sempre foi que o ser humano devolva à terra de cultivo aquilo que dela recebe, e nos quais prova que a única coisa que impede isso é a existência das cidades, principalmente a das grandes cidades. Quando se observa que só aqui em Londres se produz mais esterco do que em todo o reino da Saxônia, o qual dia após dia, gerando gastos enormes, é jogado ao mar, e quando se vê as instalações colossais necessárias para impedir que esse esterco contamine a cidade inteira, a utopia da abolição do antagonismo entre cidade e campo recebe um fundamento singularmente prático.” ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia. São Paulo: Boitempo, 2015.
[17]  Ver, por exemplo: FOSTER, John Bellamy. The return of nature: socialism and ecology. Nova Iorque: Monthly review press, 2020. Cap. 5: Environmental Conditions of the Working Class. P. 172 - 215.
[18] ENGELS, Friederich. Humanização do Macaco pelo Trabalho (ou O papel do trabalho na transformação do macaco em homem). In: Dialética da Natureza. 1876. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1882/dialetica/07.htm.
[19] “O primeiro e em vários sentidos mais revolucionário desenvolvimento da ecologia marxiana se deu na URSS entre as décadas de 1920 e 1930.” FOSTER, John Bellamy.  The return of nature: socialism and ecology. Nova Iorque: Monthly review press. 2020. P. 12. Tradução minha.
[20]  “Contudo, as revoluções científicas na climatologia e na ecologia global na União Soviética tinham suas principais origens nas obras de Budyko, que foi o reconhecido líder mundial no estudo do equilíbrio de temperatura na Terra. Ele também foi o primeiro analista do mundo dos efeitos do gelo polar no clima, e foi o primeiro a delinear o efeito de albedo do gelo como um mecanismo de feedback do aquecimento global. Budyko também foi o primeiro a apontar a perigosa aceleração na temperatura média global (...).” FOSTER, John Bellamy. Capitalism in the anthropocene: ecological ruin or ecological revolution. Nova Iorque: Monthly Review Press, 2022. P.327.. Tradução minha.
[21] “Por outro lado, a União Soviética desenvolveu algumas das contribuições mais dialéticas para a ecologia, revolucionando a ciência em áreas como a climatologia enquanto também introduziram formas pioneiras de conservação. (...) Começando nos anos 60, a União Soviética cada vez mais implementou reformas ambientais e nos anos 80 foi o terreno do que se pode chamar de “revolução ecológica”. A partir dos anos 60, o pensamento ecológico soviético cresceu rapidamente junto com o movimento ambiental, o que foi levado primeiramente por cientistas. Nos anos 70 e 80 isso evoluiu para um movimento de massas, transformando a URSS na maior organização de preservação do mundo. Esses desenvolvimentos resultaram em mudanças substanciais na sociedade. Por exemplo, entre 1980 e 1990, a poluição de ar de fontes estacionárias caiu em 23%.” FOSTER, John Bellamy. Capitalism in the anthropocene: ecological ruin or ecological revolution. Nova Iorque: Monthly Review Press, 2022. P. 316-317. Tradução minha.
[22] “Socialismo e ecologia originaram-se como formas separadas, mas proximamente relacionadas e frequentemente convergentes, de crítica em resposta ao capitalismo industrial do final do século XVIII e século XIX.” FOSTER, John Bellamy.  The return of nature: socialism and ecology. Nova Iorque: Monthly review press. 2020. P. 13. Tradução minha.