40 anos do fim da ditadura empresarial-militar: o significado da democracia na luta de classes no Brasil

A Constituição Federal de 1988 completa 37 anos no dia 5 de outubro, mas sua trajetória revela mais limites e frustrações do que conquistas a serem celebradas.

5 de Outubro de 2025 às 15h00

Exemplar da Constituição Federal de 1988 autografada por Juarez Antunes. Foto/Reprodução: Centro de Memória do Sul Fluminense (CEMESF).

Por Stella

O golpe de 1964 foi tão somente a expressão mais nítida da reação da burguesia nacional, com apoio do imperialismo, frente às mobilizações populares e aos avanços da organização operária no seio da classe trabalhadora brasileira. O regime empresarial-militar que aqui se instaurou em 1964, caracterizado pela repressão, pelo autoritarismo e por um profundo vínculo ao capital estrangeiro, deixou um Estado armado contra seu próprio povo que, até hoje, não dá o menor sinal de fragilidade em suas estruturas. O período da redemocratização não foi nada menos que um pacto conciliatório sem qualquer interesse de romper de fato com as estruturas da ditadura. Um claro e grave exemplo desse processo se deu quando, em novembro de 1988, três operários foram mortos pelo aparato estatal em plena greve dos trabalhadores em Volta Redonda (RJ), no interior da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).

No dia 5 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição Federal no Brasil, após 21 anos de ditadura empresarial-militar. Num processo lento de redemocratização, desde 1985, a Constituição Federal, resultado do processo da Assembleia Constituinte, veio para dar corpo e forma ao Estado democrático e às normas jurídicas que sustentam sua verdadeira natureza política. Recebendo o apelido de “Constituição Cidadã”, o contexto de sua promulgação foi de intensa mobilização popular por meio de sindicatos, movimentos camponeses, organizações estudantis e setores organizados da classe trabalhadora, que pressionaram a Assembleia Nacional Constituinte a inscrever direitos sociais, trabalhistas e políticos que, até então, haviam sido negados no Brasil.

Mas a Constituinte se revelou um mero pacto conciliatório entre as forças populares da época e os setores conservadores da burguesia que ainda controlavam o Estado e as Forças Armadas. É certo que há, nesse processo, uma série de conquistas fruto da luta da classe trabalhadora, como o Sistema Único de Saúde (SUS), a liberdade sindical e o reconhecimento dos direitos dos indígenas, mas o texto também se certificou de preservar as estruturas mais essenciais da dominação capitalista, como a propriedade privada dos meios de produção, a independência do Banco Central, a autonomia das Forças Armadas e a própria existência de um sistema político e jurídico calcado na restrição do poder real da classe trabalhadora.

O texto promulgado em 1988 pode ter representado, à época, um avanço no plano formal, sobretudo no que se refere aos direitos sociais e às garantias individuais. Entretanto, a formulação da defesa da democracia de maneira abstrata já não consegue alcançar nem os mais baixos sussurros das demandas da classe trabalhadora. A cronologia do desmonte dos direitos trabalhistas, os cortes na seguridade social, as privatizações, as repressões às greves e o funcionamento do sistema penal a partir de uma violenta seletividade penal e do encarceramento da população jovem negra periférica são alguns dos elementos que ilustram de forma clara os limites do texto constitucional. Esses e outros exemplos demonstram aquilo que Lênin caracterizou como um destacamento especial de homens armados que estão a serviço da propriedade privada e da exploração do trabalho, no pleno funcionamento de um Estado burguês que, mesmo sob sua face democrática, permanece sendo uma máquina de dominação de classe. A lógica do Estado burguês é operar a convivência das liberdades constitucionais com a violência policial nas periferias, a criminalização das lutas sociais e dos movimentos operários e a reprodução da dependência econômica do Brasil. Esses retrocessos brutais conduzidos pela burguesia só são possíveis por conta do próprio desenho institucional da Constituição, formatado especialmente para garantir essa forma.

Ato em Porto Alegre contra a PEC da Blindagem. Foto: Jornal O Futuro.

O recente período histórico brasileiro, desde o golpe empresarial-militar de 1964 até a promulgação da Constituição Federal em 1988, demonstra com clareza que não é possível uma emancipação sem enfrentar a raiz do problema: o caráter de classe do Estado. A democracia burguesa não só é incapaz de abolir a exploração por meio de reformas, como trabalha incansavelmente para garantir que a dominação de uma classe sobre a outra seja o pilar do seu funcionamento. A anistia de 1979, por exemplo, fruto da luta daqueles que sofreram com a repressão, moldou-se para incluir também os próprios agentes da repressão, não só blindando a burguesia, seus representantes e agentes repressores, como também devolvendo a aparência de legalidade ao Estado brasileiro. Por isso, é sempre bom lembrar: a burguesia brasileira não poupará esforços em usar da força e da repressão aberta de Estado quando se sentir ameaçada, mas também se certificará de usufruir de concessões democráticas que garantam a continuidade de sua dominação. Em todos os casos, a burguesia estará disposta a se aliar ao capital estrangeiro para concluir seus objetivos.

Manifestações por avanços sociais na Constituinte. Reprodução/Foto: ABR.

Que venham mais 37 anos dessa ou de outras Constituições que possam vir a surgir do resultado da defesa da democracia e do Estado burguês; nem se elevasse ao máximo o esforço e o ímpeto de uma Assembleia Constituinte seria possível propor soluções objetivamente satisfatórias às demandas da classe trabalhadora. Em um exemplar da Constituição Federal de 1988, Juarez Antunes, sindicalista do sul-fluminense, escreveu à mão em sua contracapa que “melhor não saiu, porque o Congresso Constituinte é evidentemente conservador”, mas a realidade é que não há possibilidade de ruptura com o caráter inconciliável das contradições de classe enquanto a estrutura do Estado que sustenta sua dominação for a bandeira maior do seu povo. Os limites do texto constitucional apontam, por si próprios, que não há possibilidade de “aperfeiçoamento” de seus objetivos para servir ao povo. Que o 5 de outubro não seja uma efeméride, mas sim um lembrete à classe trabalhadora de que só é possível a realização plena de direitos sociais, econômicos e políticos a partir da superação da dominação do proletariado pela burguesia.