O autoritarismo de Donald Trump e a erosão da democracia americana

Como as decisões arbitrárias e reacionárias de Trump podem acelerar o declínio do império estadunidense.

18 de Agosto de 2025 às 21h00

Reprodução/Foto: Jim Watson/AFP.

Donald Trump conseguiu se tornar presidente dos EUA uma segunda vez, iniciando seu mandato em 20 de janeiro de 2025, e adotando expressamente seu característico lema de America First (que seria algo como América em primeiro lugar). Um dos carros chefes da campanha eleitoral foram as tarifas de importação para reduzir o déficit comercial, proteger a indústria nacional e beneficiar trabalhadores estadunidenses. Porém, nem tudo tem saído conforme o planejado.

No atual cenário, de acordo com pesquisas de opinião mais recentes, 2/3 dos estadunidenses acreditam que o governo está encobrindo evidências a respeito das denúncias de participação no escândalo com uma rede que promovia exploração sexual, inclusive de menores de idade, ligada ao magnata do mercado financeiro Jeffrey Epstein. Com a repercussão negativa do caso, o governo Trump vê sua popularidade interna cair continuamente.

Em menos de dois meses de mandato, Trump viu a diferença entre a rejeição e a aprovação se tornar negativa. Ele havia sido eleito com um saldo positivo na aprovação, embalado pelo pessimismo em relação ao cenário econômico de inflação durante o governo Biden, associado ao conteúdo das suas promessas de campanha, que envolviam, especialmente, aumento na renda, combate à inflação, ampliação do número de empregos, prosperidade para a classe média estadunidense. Embora tenha sido avaliado positivamente em um primeiro momento, depois de iniciar uma guerra comercial contra praticamente todo o mundo, essa avaliação tem sido negativa no geral, e em queda.

Entre os assuntos que aparecem como mais relevantes para a opinião pública segundo pesquisa da empresa YouGov, em primeiro lugar aparece a questão inflacionária e de preços com 20% das respostas, em segundo a economia e empregos com uma média de 14%, seguido de questões ligadas à saúde com 11%, e na sequência aparecem impostos, direitos civis e imigração, com menos de 10% das respostas cada.

Apesar da pressão negativa que escândalos como o do caso Epstein trazem na popularidade do governo, as pesquisas apontam que temas ligados à economia estão no centro das preocupações da população dos EUA. Olhando retrospectivamente, Donald Trump iniciou uma série de embates na seara econômica, ainda no início de abril com o anúncio conhecido como “Liberation Day”, ou dia da libertação em tradução livre, por meio do qual declarou a intenção de impor um conjunto de tarifas sobre praticamente todos os países do mundo.

Diante da medida, a reação geral foi de incertezas, com as bolsas estadunidenses reagindo com bastante instabilidade ao longo dos meses que se seguiram, e os índices de empregos mostram uma situação que pode preocupar, como apontam pesquisas a exemplo da realizada pela firma de investimentos canadense BCA Research, divulgada em matéria da Folha de São Paulo. Aponta-se que o mercado de trabalho se encontra em dada situação, que qualquer queda adicional nas atividades pode resultar em aumento significativo do desemprego. O aumento das tarifas de importação, incidindo diretamente sobre os preços de matérias-primas, teve consequências já percebidas no setor da indústria e os empregos têm o menor número em cinco anos. No setor de manufatura, o índice PMI, que identifica se determinado ramo está em expansão ou contração, apontou para uma tendência de queda a partir de menor número de encomendas e consequente baixa na produção.

A frustração com o baixo desempenho na questão do emprego pôde ser notado com a demissão da responsável pelo Departamento de Estatísticas do Trabalho (o equivalente ao IBGE no Brasil), Erika McEntarfer, sob acusações de manipulação nos dados, à semelhança do que havia feito Jair Bolsonaro com o diretor do Inpe no episódio da divulgação dos dados sobre desmatamento na floresta amazônica. Questão concreta é que os empregos não estão sendo criados na proporção que imaginou o governo Trump, e a insatisfação está numa crescente.

Esse caráter autoritário tem aparecido também no descumprimento de decisões judiciais, como nos casos de deportações em massa. Valendo-se de uma legislação de 1798, e mesmo contra os tribunais e contra pessoas com vistos válidos, como em um caso da professora, especialista em transplante renal na Universidade de Brown, Rasha Alawieh, deportada para o Líbano.

Além de deportações, também são contabilizados ataques às instituições de ensino superior, mesmo as mais famosas e prestigiadas como Harvard. No início de abril, o governo Trump havia suspendido verbas na ordem de U$ 1,8 bilhão em Harvard, Columbia, Princeton, Johns Hopkins e Universidade da Pensilvânia, com o argumento de que haveria uma suposta postura antissemita nessas instituições. Na prática se está sufocando e reprimindo manifestações contra o governo genocida de Israel e pró-palestina.

E a repressão acaba surtindo efeito já que as universidades dependem fortemente dos recursos federais para manter muitos programas de pesquisa. A verba representa algo em torno de 13% dos seus orçamentos. Com um corte no início de março, da ordem de U$ 400 milhões destinados à bolsas, Columbia instituiu regras mais rígidas para realização de protestos e maior vigilância nos departamentos de estudos do Oriente Médio. O governo chegou a anunciar uma revisão de U$ 9 bilhões em verbas federais destinadas à Harvard ao longo dos próximos anos, acusando a instituição de “promover ideologias divisórias através da livre pesquisa” conforme a matéria divulgada no site G1.

Este mês, o ataque foi à Universidade da Califórnia, que teve congelados U$ 584 milhões por conta de protestos pró-palestinos. Em meio aos protestos até grupos judaicos se fazem presentes, e criticam principalmente os ataques brutais de Israel em Gaza à população palestina, mas para o governo Trump, aliado incondicional do governo de Benjamin Netanyahu, trata-se de uma posição inaceitável. Uma postura semelhante já foi vista antes durante a Guerra no Vietnã, quando o governo do então presidente Richard Nixon cortou verbas federais das principais universidade em razão, também, de protestos contra a guerra.

Fica claro o intento autoritário do trumpismo, com viés fascista, tentando silenciar internamente todas as vozes dissidentes. São ataques às instituições, incluindo destruição de programas de pesquisa, aparelhamento dos órgãos públicos, negacionismo escancarando, negando dados de pesquisa como no caso do mercado de trabalho, desrespeito de decisões judiciais.

Soma-se a isso o caos generalizado no trato com outros países por meio da aplicação de tarifas de importação de forma arbitrária e unilateral em busca de constranger parceiros comerciais a se dobrar. Esse foi o caso da União Européia, que recentemente fechou um acordo desfavorável, comprometendo-se a investir até U$ 600 bilhões nos EUA, bem como adquirir U$ 750 bilhões em energia, e mais ainda, permanecendo com tarifas de 15% sobre seus produtos em geral, e 50% sobre aço e alumínio. A repercussão foi negativa a tal ponto que a Presidente da União Européia, Ursula Von Der Leyen, foi criticada por outros líderes de países europeus.

Numa série de entrevistas ao longo dos últimos meses, o economista vencedor do Prêmio Nobel, Daron Acemoglu, aponta que a economia estadunidense é altamente dependente de inovações e que, no longo prazo, as medidas de Donald Trump tenderão a prejudicar esse padrão, já que serão ineficazes para aumentar significativamente o número de empregos, além de prejudicarem as cadeias de fornecimento para as empresas norte-americanas. Sob o discurso de combate de uma suposta ideologia progressista, Trump aposta em escalar no autoritarismo e reacionarismo. As consequências serão sentidas mais à frente, mas pode-se perceber um processo de fragilização do império.