Chacina no Rio de Janeiro é a maior registrada na história; nº de mortes passa de 130
Sob comando de Cláudio Castro (PL), a operação, realizada nos Complexos da Penha e do Alemão, mobilizou mais de 2500 agentes e deixou 132 mortos até o momento. Mais da metade dos corpos foram resgatados por moradores em área de mata próxima ao Complexo da Penha.

Moradores organizaram o resgate de corpos abandonados na mata, vários deles com sinais de execução, e os trouxeram para uma praça na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha. Reprodução/Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil.
As forças policiais do Rio de Janeiro, sob comando do Governador Cláudio Castro (PL), promoveram, nesta terça-feira (28/10), a operação policial que já é considerada a maior chacina registrada no país. A operação, que se estendeu desde as primeiras horas da manhã até o início da noite, mobilizou mais de 2500 agentes das Polícias Militar e Civil nos Complexos da Penha e do Alemão. Segundo informação da Defensoria Pública, repassada na manhã seguinte ao massacre, após o resgate de corpos na área de mata, realizado por moradores, o número registrado é de, ao menos, 132 vítimas da ação policial.
A operação, celebrada pelo Governador e por seu Secretário de Segurança, Victor Santos, como uma “vitória”, contou com a coordenação do Comando de Operações Especiais (COE), de batalhões da PM capital e da Região Metropolitana, além de equipes da CORE e de todas as delegacias especializadas da Polícia Civil. A justificativa oficial para a realização da operação era o cumprimento de 100 mandados de prisão contra acusados de integrar ou liderar a facção Comando Vermelho (CV).
A escalada da violência provocada pela operação impactou diretamente toda a cidade do Rio de Janeiro — bem como seus municípios vizinhos. Ao menos 84 escolas (35 estaduais e 49 municipais), universidades públicas e privadas da região metropolitana e comércios, além de 6 unidades de saúde básica que atendem a região dos Complexos, foram obrigados a suspender atividades diante do clima de terrorismo de Estado instaurado.

Colunas de fumaça das barricadas realizadas em meio aos confrontos. Reprodução/Foto: @reporterenato/X (antigo Twitter).
No meio da tarde, o Comando Vermelho passou a retaliar, a partir de suas bases em outros territórios, com bloqueios e incêndios de veículos em importantes vias da cidade — entre elas a Avenida Brasil, Linha Amarela, Linha Vermelha e a Autoestrada Grajaú-Jacarepaguá —, atingindo regiões como Centro, Tijuca, Vila Isabel, Méier, Cascadura, Penha, Cidade de Deus e Anchieta. Na BR-101, em São Gonçalo, foi acionado todo o efetivo disponível da Polícia Militar.
Com a ameaça de suspensão da circulação de ônibus na parte da noite, após mais de 50 queimados e 120 linhas terem seus itinerários impactados, milhares de trabalhadores que foram liberados mais cedo passaram a se aglomerar em pontos de grande circulação para retornarem às suas casas. Circulam por redes sociais vídeos de trabalhadores falando de arrastões em vias e no metrô da Central do Brasil.

Trabalhadores foram liberados mais cedo e se aglomeraram em pontos de ônibus e vans, além de estações de trens e metrô na capital. Reprodução/Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.
A mídia hegemônica, por sua vez, tratou o episódio com a habitual parcialidade. A Rede Globo, colocando-se como porta-voz do Estado burguês e de suas forças policiais, chegou a afirmar, já nos primeiros momentos de operação, que os mortos eram “bandidos”, mesmo sem qualquer identificação ou apuração sobre quem seriam essas pessoas vitimadas.
A imprensa burguesa, buscando dar maior legitimidade à ação policial – sob o discurso de necessidade da “guerra às drogas” –, seguia naturalizando o extermínio cotidiano nas favelas. A ausência de informações sobre todas as pessoas vitimadas na ação, com o foco direcionado apenas aos policiais mortos em confronto, abre espaço para a lógica de desumanização não apenas das vítimas, mas de todo e qualquer morador de favela.
Analistas, como no caso de Fernando Gabeira, foram chamados a dar declarações que ressaltam a linha de defesa do quão “bem-sucedida e necessária” era a operação, ainda que apontando ressalvas cínicas quanto à insuficiência das medidas acerca da “resolução do problema” e sobre as mortes de policiais.
O que ocorre no caso – em paralelo à tentativa da extrema-direita de emplacar um discurso de “combate ao narcoterrorismo” no país –, é uma tentativa de inversão da necessidade de apresentação de quaisquer provas e do processo legal, visando absolver os crimes do Estado burguês e de seus agentes da barbárie. O que passa a importar, caso não se enfrente essa lógica com firmeza, são apenas as apreensões de armas, de drogas e as versões policiais com números cada vez mais elevados de “elementos neutralizados/abatidos”. Tais palavras são introduzidas no vocabulário policial e midiático como um desdobramento do lema reacionário “bandido bom é bandido morto”, historicamente utilizado por agentes das forças policiais fluminenses.
As declarações de Cláudio Castro
O Governador, que, após o impeachment de Wilson Witzel, foi alçado a um dos representantes principais do bolsonarismo no Rio de Janeiro, se apressou em dizer à imprensa que a operação foi uma vitória dele e que as únicas vítimas foram os policiais. Abrindo sua plataforma de campanha eleitoral para 2026, afirmou que o Governo Federal não prestou qualquer apoio e que “o Rio está sozinho nessa guerra”. O objetivo declarado do político do Partido Liberal era ter acesso aos blindados das forças armadas, considerados mais eficientes para romper as barricadas.
O Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, por sua vez, respondeu afirmando que não havia recebido nenhum chamamento para a operação e que ações do tipo deveriam ser requeridas através de operações de garantia da lei e da ordem (GLO), o que equivaleria ao reconhecimento de que “as forças locais não têm condições de fazer face ao crime”.
Lewandowski chegou a afirmar, se dirigindo a Castro, que “se ele sentir que não tem condições, ele tem que jogar a toalha e pedir GLO ou intervenção federal”. Tal tipo de discurso, reforça a mesma lógica apresentada pelo Governo Lula na construção da PEC da Segurança Pública, que busca dar ares de “racionalidade” para a política de extermínio vigente no capitalismo brasileiro, ao reforçar lógica de ostensividade do policiamento sem questionar, de fato, a política de segurança pública reacionária.
Sob essas disputas, que não questionam a permanência da “guerra às drogas”, seguem se reproduzindo as chacinas em uma política de segurança que as faz serem repetidas em escalas cada vez maiores. Com o pretexto do combate à violência, o Estado burguês administra e amplifica essa violência contra os trabalhadores das periferias e favelas do país.
Seguem, dessa forma, a produção e circulação das drogas e dos fuzis, mercadorias centrais nos altamente lucrativos mercados ilegais, e o rastro de sangue derramado por forças policiais no local escolhido, pelas classes dominantes do país, para o confronto: as favelas. Entrando e saindo do país por fronteiras, portos e aeroportos, produzem lucro aos grandes traficantes, que moram muito longe das favelas, além de propinas aos comandos policiais e das forças armadas. O local definido como local prioritário da guerra define também quem serão os seus principais alvos: a população pobre e negra.
A “guerra aos pobres” serve como instrumento de controle social de toda classe trabalhadora e de extermínio de suas parcelas marginalizadas — uma forma conveniente de eliminar os corpos que o sistema capitalista considera descartáveis. Não se trata de incompetência, mas de um projeto.