Famílias e organizações populares ocupam a Câmara Municipal de Fortaleza em protesto ao “emendão” contra o Plano Diretor
A câmara foi ocupada por 33 horas — uma hora para cada mandato que assinou o emendão. Um fato marcante foi o processo ter se dado de forma escondida e suspeita, com vereanças votando em emendas que não eram públicas e que não haviam lido.

Reprodução/Foto: Mariana Lopes/ O POVO.
Por André de Morais
Na última terça-feira de novembro (25), movimentos populares ocuparam a Câmara Municipal de Fortaleza em protesto contra o chamado “emendão”, assinado por 33 vereadores que integram a base da prefeitura de Evandro Leitão (PT), ao Plano Diretor Participativo e Sustentável, que deturpava o projeto enviado pela Prefeitura, síntese das inúmeras reuniões abertas à população que aceleradamente aconteceram durante o ano de 2025.
O “emendão” surge nas últimas semanas como resposta aos avanços populares impostos no processo de construção do novo Plano Diretor Participativo e Sustentável (PDPS). Dentre esses avanços estavam a diferenciação das Zonas de Proteção Ambiental (ZPA) e das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Agora, com o emendão, essas duas propostas foram atropeladas para a grande burguesia imobiliária de Fortaleza realizar suas construções “faraônicas” sem haver, nem mesmo, um impeditivo legal de vontade popular.
A ocupação que não acontecia há mais de uma década
No primeiro dia da ocupação, as famílias e os manifestantes foram até a galeria da câmara (espaço onde o público pode assistir ao plenário) pressionar os vereadores em sessão acerca do Plano Diretor e do emendão. Após o término da sessão, se deslocaram para instalar as barracas no jardim do auditório do parlamento, iniciando o processo de ocupação do espaço.
Enquanto o povo ocupava a galeria, realizando gritos e palavras de ordem contra o emendão, foi perceptível, a partir da fala de vários vereadores na tribuna, um tom de deboche àqueles que estavam nas galerias. Falas como: “vocês são muito bem-vindos” e “a participação de vocês para nós é muito importante” expressaram bem esse tom ao serem dirigidas aos manifestantes, ignorando completamente qualquer menção ao Plano Diretor ou ao emendão. Em meio a essas mobilizações, no momento de instalação da ocupação, a Guarda Municipal reagiu de forma repressiva. Um dos agentes da Guarda Municipal de Fortaleza chegou até mesmo a ameaçar uma prisão ilegal de uma pessoa e de quem estivesse gravando. O militante do PCBR, Rafael Maciel, relata a situação em entrevista ao Jornal O Futuro:
“Um guardinha ameaçou prender um camarada, e não só o camarada, mas outros que estavam gravando. Ele ameaçou prender quem da gente estivesse gravando esse caso de truculência.”
Dessa forma, ficou estabelecido um clima de tensão que, após diálogo com líderes da Câmara, entre elas o presidente, Leo Couto (PSB), foi apaziguado após entendimento de que os manifestantes não representavam “perigo” e foi estabelecido que não haveria nenhuma ação para desfazer a ocupação. É importante retomarmos que a Câmara Municipal de Fortaleza é palco costumeiro de manifestações políticas, de portes pequeno, médio e até grandes, com milhares de pessoas; entretanto, não há sequer registros na memória popular mais recente de qualquer outra ocupação que virasse a noite. A forma da atividade, neste momento, foi um último recurso, corajoso, dos lutadores do povo para tentar barrar este ataque descarado contra a cidade.
Uma das principais atividades da ocupação era realizar pressão nos vereadores que estavam pelos estreitos corredores da câmara. Essa atividade acontecia principalmente quando estava para acontecer alguma votação do conselho do “emendão” ou alguma sessão em plenária. Em um desses eventos um fato curioso aconteceu: mais de vinte vereadores se trancaram em seus gabinetes ao perceberem que os manifestantes estavam nos corredores cobrando pela justificativa da posição impopular desses frente ao povo, que agora estava batendo à porta.
No cotidiano dos ocupantes foi percebido um movimento suspeito e ilegal: as emendas que iam para votação não eram publicadas e as vereanças do campo popular tinham menos de duas horas para analisar centenas de páginas contendo inúmeras emendas. Havia, dessa forma, estabelecida a seguinte tática: fazer a pequena política do parlamento burguês da forma mais fraudulenta possível para pressionar a maior quantidade dos mandatos a votar conforme as posições das bancadas alinhadas à Prefeitura e aos sindicatos da burguesia da construção civil e do lobby imobiliário. As comissões jurídicas da Câmara e dos mandatos também eram orientadas a não mostrar os textos que iriam para votação nem para os manifestantes, nem para as vereanças que iam votar.
Como uma continuação da participação popular durante as reuniões do Plano Diretor e das manifestações desde que ele foi à Câmara, esta mobilização sofreu, infelizmente, com as consequências da forma como o processo se deu, com o Plano Diretor se arrastado por 6 anos (quando deveria ter sido aprovado ainda na década passada), o campo popular, antes forte e pujante, hoje encontra-se pulverizado e sem força real de impôr suas demandas à burguesia fortalezense e seus lacaios no parlamento. Mesmo com dois vereadores em aliança com as alterações populares, Gabriel Biologia e Adriana Gerônimo (PSOL), a imensa maioria da Câmara ou é abertamente contra o povo fortalezense, ou rifa seus interesses para não ficar de fora dos jogos e acordos políticos, como fez a base petista do governo.
A burguesia manda no parlamento
Os vereadores ligados ao Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (SINDUSCON), sindicato que representa a grande burguesia da construção, tentavam comprar as famílias manifestantes com o discurso de que seriam construídas “zonas de lazer” onde haveria ZEIS e ZPA, que representam, na prática, a gentrificação dessas áreas, como relata a militante do PCBR, Uriel Prisma, também em entrevista ao jornal O Futuro:
“Outra coisa que foi muito dita pelo Adail Júnior (PDT), o cabeça do emendão, era que iam ser construídos polos de lazer. O que, na prática, é uma ideia de gentrificação”
Um dos fatos mais significativos apontados pelos militantes do PCBR foi quando um executivo da SINDUSCON, durante votação do conselho dos vereadores do “emendão”, recebeu uma mensagem de um dos vereadores ao término da votação e, após isso, abriu uma pasta com documentos e repassou para uma pessoa assinar. Ficava assim demarcada, de forma expressiva, a “estranha” presença de executivos do SINDUSCON durante a realização dos encontros e votações dos parlamentares da Câmara de Fortaleza.
A estranha e suspeita mudança de posição do Prefeito
Na noite do dia da aprovação do “emendão”, o prefeito de Fortaleza, Evandro Leitão (PT), fez sua declaração frente aos abusos e absurdos supracitados:
"Na política, a gente tem que ter uma compreensão: não existe a política do ganha-ganha e nem do perde-perde. Nós temos que ganhar em alguma coisa e perder em outra. O importante é que no final nós tenhamos avanços"
Entretanto, durante as mobilizações anteriores contra o emendão, quando este contava apenas com assinaturas, era o prefeito que dizia não saber do conteúdo da proposta parlamentar. Porém, ao mesmo tempo, o prefeito sequer se pronunciou contra ou orientou sua base na votação do documento impopular, sendo apenas uma manobra para garantir a aprovação do documento sem se vincular imediatamente.
Esse tipo de movimentação não é incomum entre aqueles que observam as ações do prefeito: durante uma das conferências de formulação do PDPS a prefeitura colocou servidores terceirizados (que não podem votar) e pessoas em cargo de confiança para votarem em peso nas propostas da prefeitura. Esses trabalhadores não tinham outra opção a não ser acatar com as posições do prefeito: era isso ou “rua”.
Por fim, o Plano Diretor e seu funesto emendão foram aprovados por 36 votos favoráveis de inimigos da cidade, com apenas 6 votos contrários. O próximo passo é a sanção do prefeito Evandro Leitão (PT), que já veio à rede pública afirmar que o plano traz uma série de “avanços”, e, ainda por cima, dizer ser “muito grato à participação popular”. Esta é a “gratidão” do neoliberalismo ao povo: que falem com toda a “liberdade”, que se “manifestem”, porém, que nunca sejam ouvidos, que nunca sejam obedecidos. Quem manda na prefeitura e no parlamento, sabemos, não é povo, mas a burguesia — nossos inimigos têm raízes profundas no poder.