Pesquisa da Fiocruz revela que mulheres jovens e negras são maioria entre as vítimas de violências notificadas pelo SUS
Agressões sexuais, violências domésticas ou autoprovocadas e acidentes de transporte formam o cenário mórbido principalmente para jovens de 15 a 19 anos.

Reprodução/Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.
No último mês de agosto, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicou um estudo epistemológico sobre a situação de saúde da juventude brasileira envolvendo violências e acidentes. Os dados, dos anos de 2022 e 2023, e extraídos do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que 65% dos óbitos da juventude resultam de causas externas, como violências e acidentes (84.034 das 128.826 mortes no período analisado).
No ano de 2022, o SUS notificou 509.150 casos de violência interpessoal ou autoprovocada no Brasil. Desse total, 36% (184.863 casos) ocorreram com pessoas jovens na faixa etária de 15 a 29 anos. Enquanto para o conjunto da população e para a população maior de 30 anos as taxas de incidência desses casos é de 250,7 e 173,7 ocorrências para cada 100 mil habitantes, respectivamente, para os jovens, a incidência é de 408 casos para cada 100 mil habitantes.
Quando há recorte de gênero binário, as estatísticas demonstram que no conjunto da população (jovem ou não) a maioria das violências notificadas pelo SUS são contra mulheres. As estatísticas se expressam tanto em termos proporcionais, com 71% das vítimas sendo mulheres, quanto numa taxa de incidência que é mais do que o dobro daquela observada para os homens, resultando em 342,5 casos de violência contra mulher para cada 100 mil habitantes em comparação aos 153,1 casos contra homens a cada 100 mil habitantes.
A pesquisa também traz especificidades etárias e raciais. De acordo com a Fiocruz, dentre as mulheres jovens vítimas de violência, se destaca o subgrupo daquelas entre 15 e 19 anos, para as quais a taxa de incidência desses casos chega a 707,1 ocorrências notificadas para cada 100 mil habitantes.
Já quando observa-se a distribuição desses casos por raça/cor na entre as mulheres jovens, os dados revelam que 54,1% dos casos ocorreram com pessoas negras (45,3% com pessoas pardas e 8,8% com pessoas pretas), 36% com pessoas brancas, 1,1% com indígenas e 1% com amarelas, situação similar àquela observada para a população como um todo.
Violência doméstica e feminicídio
Armas de fogo, objetos penetrantes/cortantes, enforcamento, estrangulamento e sufocação em casa estão entre as principais causas de morte de mulheres jovens. A Fiocruz verificou, ainda, que ao analisar-se as dez primeiras causas de óbitos por agressão entre as jovens, aproximadamente 34,5% das ocorrências foram em casa/residência.
As informações vão de encontro à 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzida com dados do ano passado e divulgada no último mês de julho, que revelou que 2024 registrou o maior número de feminicídios desde o início da tipificação do crime, em 2015.
Além disso, o anuário também mostrou um aumento de 30,7% nos feminicídios de adolescentes (12 a 17 anos). Considerando todas as faixas etárias, a maior parte dos crimes (64,3%) ocorreu na residência da vítima, sendo a arma branca (objetos penetrantes/cortantes) o principal instrumento utilizado (48,4%).
Agressões sexuais
Publicado em março, o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (Raseam 2025), realizado pelo Ministério das Mulheres, revelou que em 2023, foram registrados 13.934 nascimentos em que as mães eram meninas de até 14 anos de idade. Pela legislação brasileira, relação sexual com meninas de até 14 anos configura como caso de estupro de vulnerável.
Paralelo a isso, o estudo epistemológico da Fiocruz mostrou que a violência sexual é o terceiro tipo mais recorrente contra os jovens, aparecendo como 7,2% do total. Além disso, quanto menos idade, maior o peso da violência sexual (9,9% entre os jovens de 15 a 19 anos, 6,2% entre os de 20 a 24 anos e 5,1% entre os de 25 a 29 anos; para a população maior de 30 anos, esse peso percentual é de 3,4%).
Violência autoprovocada
As notificações do SUS sobre violência autoprovocada tratam de automutilações, tentativas de suicídio e suicídio. E ainda que a população masculina seja a que mais morre por esse tipo de violência (independente da faixa etária), são as mulheres quem mais tentam contra as próprias vidas.
De acordo com os dados da FioCruz, quando analisa-se especificamente o grupo das
mulheres jovens (15 a 29 anos), 20,7% das mortes são causadas por lesões autoprovocadas voluntariamente.
“Alguns casos [de suicídio] podem ter associação com quadros depressivos, mas não podemos pensar numa relação causa-efeito entre depressão e suicídio. O suicídio é entendido como uma morte evitável e a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) nos alerta que, se os países investissem mais em educação, serviços de saúde e apoio social, essas mortes poderiam ser evitadas”, aponta Nadja Botti, autora do estudo “Autolesão sem intenção suicida entre adolescentes”, em entrevista ao portal Gênero e Número.
Acidentes de trânsito
A falta de políticas públicas de acesso à educação e a empregos formais também são questões essenciais quando o assunto são as estatísticas de morte de jovens em acidentes de transporte.
De acordo com informações do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP), entre os anos de 2019 e 2023, o número de mulheres que usa o carro como ferramenta de trabalho aumentou em 50,3%, baseado nos registros da observação “Exerce Atividade Remunerada (EAR)” em Carteiras Nacionais de Habilitação (CNH). Já segundo a Fiocruz, mulheres jovens representam 16% das vítimas de morte em acidentes de transporte no Brasil.
#violência#Sistema Único de Saúde (SUS)#Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)