Estudantes ocupam reitoria da UFPA pela volta do bônus regional de 10% para vestibulandos

A ocupação se deu em decorrência de um elemento do edital do último PS2026 que no item 2.1.1, retira o bônus de 10% que eram aplicados à nota do Enem de estudantes que cursaram o ensino médio em  escolas públicas ou privadas na região Norte do país.

29 de Outubro de 2025 às 23h00

UJC/PCBR na ocupação da reitoria da UFPA. Foto: Ícaro Zacarias/Jornal O Futuro.

Por Ícaro Zacarias

Estudantes de diversas universidades e escolas da região metropolitana de Belém ocuparam, nesta última quinta-feira (23), o prédio da reitoria da Universidade Federal do Pará. A ocupação se deu em decorrência de um elemento do edital do último PS2026 -  que é o processo seletivo anual que permite que estudantes de todo o país se candidatem a uma vaga na universidade, já que a UFPA não adere ao sistema do Sisu -, que no item 2.1.1, retira o bônus de 10% que eram aplicados à nota do Enem de estudantes que cursaram o ensino médio em  escolas públicas ou privadas na região Norte do país.

O Diretório Central dos Estudantes da UFPA marcou, na terça-feira (21), dia seguinte à publicação do edital, uma reunião com a presença da classe estudantil e uma representação da universidade, em que os estudantes puderam compartilhar seus pontos de vista sobre o fim da bonificação. Na ocasião, foi deliberado que a reitoria teria um prazo de 24 horas para marcar uma reunião extraordinária do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, que possui representação estudantil, para discutir o tema. Com o término do prazo das 24 horas e a ausência de qualquer retorno da reitoria, estudantes chegaram no dia seguinte com colchonetes, correntes e cadeados às 7 horas da manhã e se estabeleceram majoritariamente na recepção.

A reportagem do Jornal O Futuro conversou com os estudantes presentes e entrevistou Sammy Pinheiro, graduando em licenciatura em história, diretor do DCE e militante da União da Juventude Comunista que esteve na ocupação desde seu início:

“É uma forma de reparação histórica, porque a gente sabe que o tipo de educação que a gente tem aqui no Norte não é a mesma que eles têm no Sul. É bem mais precário, tem interiores onde ainda nem chegou universidade, tem interiores onde não tem ensino médio, gente que tem que sair das suas ilhas pra ter acesso a uma educação de qualidade. Então, a bonificação não é um privilégio, e sim uma reparação histórica.”

A justificativa da universidade, dada tanto na reunião quanto em sua nota publicada nas redes sociais, é que “a decisão decorre da necessidade de adequação às orientações do Supremo Tribunal Federal (STF)”, que teria julgado as políticas de bônus regionais inconstitucionais por poder afrontar o princípio da isonomia, princípio estabelecido na Constituição Federal de 1988 que veda a distinção entre brasileiros com base em sua origem territorial. Acontece que este princípio não se aplica na realidade, pois, historicamente, a região Norte possui uma educação básica de baixíssima qualidade. Segundo o Censo da Educação Básica, em 2020 nem metade das escolas do Norte tinham acesso à internet para ministrar aulas no modelo de ensino à distância, enquanto o Nordeste possuía 66,6% das escolas com acesso e todas as outras regiões (Sul, Sudeste e Centro-Oeste) possuíam mais de 93% das escolas com acesso a internet. Porém, a precarização do ensino nortista não começou na pandemia. A região Norte enfrenta problemas de carência de professores em escolas públicas e índices baixos de professores com formação adequada no ensino fundamental. Por isso, a bonificação possui o intuito de garantir que estudantes da região Norte tenham acesso ao ensino superior público.

Stefanny Vitória, estudante do terceiro ano do ensino médio de um colégio público de Belém e que prestará o Enem esse ano, relatou seu ponto de vista sobre os impactos ao longo prazo do fim do bônus:

“Para mim, daqui a alguns anos, quando tu ver não vai ter mais nenhum nortista, mano. Quando tu ver só o pessoal do Sul, Sudeste… e cadê o pessoal do Norte? Não vai ter. Só vai ter os de fora, e por quê? Porque o nosso conhecimento… a gente conhece pra caramba, mas em relação ao estudo, a nossa educação é inferior a deles. Então, quando tu parar pra ver, cadê? Vai ter só os sulistas aqui.”

Essa medida que mais parece uma estratégia para aos poucos tirar os nortistas filhos da classe trabalhadora da maior universidade do Norte do país surge em um momento em que os olhos de todo o mundo estão voltados para Belém, a Amazônia e o estado do Pará. Às vésperas do grande balcão de negócios que será a COP30, a educação amazônida sofre mais um grave ataque. Vale relembrar que não é o primeiro deste ano: no início do ano, os povos indígenas e a classe docente se uniram numa ocupação à Secretaria de Estado de Educação após a aprovação de uma lei estadual que precarizava ainda mais a educação básica dos povos tradicionais no estado, que são uns dos grandes afetados também pelo fim do bônus de 10%.

E a luta destes estudantes não termina somente na bonificação. Em conversa com Antônio Silvestre, militante da UJC e graduando em licenciatura em história, ele frisou a importância de pautar a universidade popular:

“Outra questão muito importante também que a gente tá pautando aqui é o fim do vestibular, porque além da bonificação que nós acreditamos ser algo muito importante, nós acreditamos que o vestibular também funciona como um filtro que impede milhares de estudantes em todo o Brasil de entrar na universidade. Então é pela bonificação, é pelas cotas trans, é pelas cotas ribeirinhas também que são uma pauta muito importante, especialmente para os estudantes aqui do Norte e também pelo fim do vestibular, que a gente acredita que só dessa forma nós podemos construir uma universidade popular de verdade.”

A decisão representa um ataque aos estudantes de todos os lugares do Norte que tenham o objetivo de prestar o vestibular para os cursos da UFPA. Apesar disso, Ruan Souza, estudante do ensino médio e colega de turma de Stefanny, permanece focado em prestar o vestibular este ano:

“Eu não diria que me desmotiva. Acho que a palavra é ‘entristecer’, porque nós já somos desfavorecidos, então isso é algo que entristece muito, porque a gente precisa desses 10%, mesmo que a gente estude, faça cursinhos, estude também na escola pra tentar passar no Enem. Mas não é algo que me desmotiva, é só algo que me entristece.”

Por fim, o que ficou de ensinamento para os estudantes de todo o estado do Pará é que reitores como o da UFPA, Gilmar Pereira da Silva, que elegeu-se sob o lema de “autonomia, excelência e inclusão”, e cujo o marketing da gestão é todo baseado na diversidade e inclusão, se utilizam desse discurso para autopromoção, e na prática não o aplicam. Este reitor foi o mesmo que fechou os Restaurantes Universitários no início do ano, para reformas marcadas para começar no dia em que se iniciaram as aulas, e disponibilizou auxílios alimentação insuficientes tanto em quantidade quanto em valor, que só caíram nas contas dos estudantes após o RU voltar, quase um mês depois. Ele também foi o mesmo reitor que assinou uma carta da Associação de Discentes Trans e Travestis da UFPA (Adisttrave-UFPA), se comprometendo em desenvolver políticas de acesso e permanência para as pessoas trans, em especial as cotas trans, e que até o PS2026, mesmo com a recomendação do Ministério Público Federal (MPF) no início de 2024, não foram aplicadas. E agora, é conivente com este ataque ao direito de acesso dos estudantes da classe trabalhadora e dos povos tradicionais, enviando representantes no seu lugar para não ter que dialogar com os estudantes, e desaparecendo na hora que os filhos (e futuros filhos) da autoproclamada “Mamãe UFPA” mais precisaram.