Polícias Federais e inteligência de Estado são peças-chave da articulação golpista
A responsabilização dos golpistas, para ser efetiva e servir aos interesses populares, deverá tornar claros os interesses de classe que sustentaram não apenas a tentativa golpista, mas que seguem sustentando também os ataques cotidianos que são desferidos contra os interesses da classe trabalhadora no Brasil.

Silvinei Vasques, então Diretor-Geral da PRF, Anderson Torres, então Ministro da Justiça, e Márcio Nunes, então Diretor-Geral da PF em entrevista coletiva sobre a Operação Eleições 2022. Reprodução/Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Por Mônica Guerra
A participação das Polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF) na intentona golpista de 2022 é cada vez mais evidente. A denúncia apresentada em fevereiro pela Procuradoria-Geral da República (PGR), chefiada por Paulo Gonet, contra 34 pessoas, envolve não só uma expressiva maioria de militares da ativa e da reserva (24 ao todo), mas também 7 policiais da PF e da PRF. Apontadas como parte da trama, as blitzes da PRF bloquearam inúmeras rodovias durante o segundo turno na chamada Operação Eleições 2022. Os bloqueios se concentraram em especial no nordeste, onde Lula recebeu quase 70% dos votos válidos, vencendo em todos os estados da região.
A investigação conduzida pela PF que culminou no indiciamento de 37 pessoas em dezembro do ano passado envolvia ainda 11 homens - cuja maioria também é de militares – que ficaram de fora da denúncia da PGR, mas que ainda poderão ser incluídos posteriormente. Nessa nova fase aparecem cinco novos envolvidos, dos quais dois estão diretamente ligados aos bloqueios nas rodovias: Marília Ferreira de Alencar, ex-Diretora de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça (SEOPI), e Silvinei Vasques, ex-Diretor da PRF que já havia sido indiciado pela PF em agosto de 2024 e que é investigado pela interferência nas eleições. Apesar de ter sido preso por quase um ano em 2023, Silvinei ocupa hoje a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Inovação em São José (SC), onde atua usando tornozeleira eletrônica.
Em janeiro, a apuração da PF também investigou Bruno Nonato dos Santos Pereira, ex-Coordenador Geral de Inteligência e Contrainteligência da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), e outros quatro ex-diretores da PRF por desobediência, prevaricação, restrição ao exercício do voto e participação no crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. A exceção de Djairlon Henrique Moura, ex-Diretor de Operações, todos atuavam também no setor de Inteligência.
As denúncias foram apresentadas em cinco peças. Nelas, são descritos quatro núcleos criminosos. Além do núcleo dirigente, cujos principais mandantes eram Bolsonaro, Heleno, Braga Netto e Anderson Torres, havia também núcleos dedicados a executar as ações, pressionar o Exército e incitar manifestantes golpistas. Os policiais se concentravam principalmente no núcleo voltado para monitoramento e gerenciamento de ações nos órgãos policiais.
Além dos mapas eleitorais encontrados nos celulares apreendidos – que tratavam apenas da distribuição territorial dos votos de Lula durante o primeiro turno –, as mensagens trocadas pelos acusados também são explícitas: no grupo “Em Off”, Marília de Alencar fala que “precisa reforçar PF” em Belford Roxo, onde “o prefeito é vermelho”, o que poderia representar “menos 25 mil votos no 9 [referindo-se a Lula]”; no Rio Grande do Sul, cita Pelotas e Porto Alegre, onde “os caras tem que rodar”, ao que Fernando de Sousa Oliveira, delegado da PF e então Diretor de Operações do Ministério da Justiça, orienta “manda [para] o RS. Tem muito eleitor do PT”.
O uso de órgãos policiais e de inteligência de Estado na articulação do golpe remete às ações da chamada Abin paralela, que monitorou ilegalmente opositores e certamente se beneficiaria de equipamentos de vigilância adquiridos pela SEOPI por meio de Marília de Alencar. Apesar da revelação do envolvimento de diversas instituições e agentes na trama golpista, ainda há uma grande lacuna em aberto nas investigações: quem são os financiadores. Tanto no indiciamento da PF quanto na denúncia da PGR fala-se apenas em um “financiamento disperso”, o que torna impossível explicar a imensa estrutura nacional que permitiu meses de acampamentos golpistas em frente aos quartéis, que permaneciam também sob a proteção do comando das Forças Armadas, e os deslocamentos de um enorme contingente de bolsonaristas para Brasília.
Além do “pessoal do agro”, cujos nomes ainda devem ser revelados, é necessário passar a limpo tanto a estrutura organizacional da articulação bolsonarista, punindo políticos, militares e agitadores do golpe, mas também ir a fundo na identificação dos financiadores. A responsabilização dos golpistas, para ser efetiva e servir aos interesses populares, deverá tornar claros os interesses de classe que sustentaram não apenas a tentativa golpista, mas que seguem sustentando também os ataques cotidianos que são desferidos contra os interesses da classe trabalhadora no Brasil.