Hospital São Vicente de Paulo: o manicômio ilegal do DF e a farsa da “assistência em saúde mental”
O movimento antimanicomial denuncia que a “assistência” oferecida pelo HSVP se baseia na segregação, internações prolongadas, medicalização excessiva, contenções físicas e abordagens desumanizantes e morte, o que não configura um cuidado efetivo em saúde mental.

Reprodução/Foto: Geovana Albuquerque – Arquivo Agência Saúde DF.
Em 24 de março deste ano, a Frente Parlamentar da Luta Antimanicomial da Câmara Legislativa do Distrito Federal, em parceria com movimentos sociais da área, realizou uma diligência no Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), um manicômio público em funcionamento há 25 anos no DF. Com base no relatório final, a Frente recomendou o fechamento da unidade devido à constatação de práticas violentas e ilegais.
O debate sobre o hospital se intensificou após a morte de Raquel França de Andrade, de 24 anos, no dia 25 de dezembro de 2024, dentro do Hospital. Suspeita-se que o óbito tenha sido provocado pelo uso excessivo de medicação e contenções físicas aplicadas durante o tratamento. Além disso, inspeções realizadas pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) em 2018 e 2024 identificaram violações aos direitos humanos dentro da unidade.
Com o avanço das mobilizações pelo fechamento do HSVP, também ressurgem questionamentos sobre um cenário de desassistência aos pacientes assistidos, sugerindo que melhorias das condições já denunciadas anteriormente, no relatório do MNPCT de 2018, seriam suficientes, na contramão do processo de desinstitucionalização. O movimento antimanicomial denuncia que a “assistência” oferecida pelo HSVP se baseia na segregação, internações prolongadas, medicalização excessiva, contenções físicas e abordagens desumanizantes e morte, o que não configura um cuidado efetivo em saúde mental.
Além disso, o encerramento do Hospital São Vicente dialoga diretamente com a reivindicação do fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), composta por Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), leitos psiquiátricos em hospitais gerais, Residências Terapêuticas, Unidades de Acolhimento, Centros de Convivência e Unidades Básicas de Saúde. Atualmente, o DF apresenta a pior cobertura da RAPS no país, comprometendo a qualidade do atendimento às pessoas em sofrimento mental. Enquanto o HSVP permanecer aberto e financiado com recursos públicos, a Rede de Proteção seguirá precarizada. O fechamento da unidade possibilitará a realocação de pacientes e profissionais para os demais serviços da RAPS.
Para garantir uma assistência humanizada e eficaz, é fundamental ampliar o número de CAPS no DF, especialmente os do tipo 3, que funcionam 24 horas por dia e aos finais de semana, além da criação de mais Residências Terapêuticas para acolher pessoas sem suporte familiar e institucionalizadas há muito tempo. Também se faz necessária a ampliação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais, permitindo o cuidado em liberdade e o acompanhamento territorial e comunitário.
Somente por meio de um processo contínuo e estruturado de humanização é possível garantir uma recuperação genuína aos chamados “pacientes psiquiátricos”. A proposta de internação, por si só, carrega uma de suas maiores contradições: a ausência de uma garantia efetiva que viabilize o retorno à vida em sociedade. Historicamente, o modelo capitalista organiza o esforço humano para atender a interesses econômicos, excluindo aqueles cujos funcionamentos não se encaixam na lógica da produtividade. Em um sistema que valoriza a regularidade e o cumprimento de jornadas de trabalho fixas, aqueles que não se adequam são frequentemente isolados – seja em prisões, manicômios, senzalas, instituições de acolhimento ou até mesmo nas ruas.