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  • Escola de Sargentos do Exército ameaça área protegida na Mata Atlântica

    Projeto bilionário do Exército atinge a APA Aldeia-Beberibe em Pernambuco e levanta alerta sobre riscos ambientais e falta de transparência.

    23 de Abril de 2025 às 21h00

    Reprodução/Foto: Arnaldo Sete/Marco Zero.

    Por Caranguejo Ecológico

    A nova Escola de Sargentos de Armas do Exército (ESA), projetada para ser o maior complexo militar da América Latina, tem gerado preocupações ambientais devido à sua localização dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe, que abriga o maior fragmento contínuo de Mata Atlântica ao norte do Rio São Francisco. Apesar da relevância ecológica da região, o assunto tem recebido pouca atenção da mídia tradicional e de lideranças políticas locais, que só se manifestaram após pressão da sociedade civil organizada.

    A Mata Atlântica, bioma originalmente extenso, hoje conta com apenas de 5% a 11% de sua cobertura vegetal remanescente em Pernambuco. A construção da ESA representa uma ameaça direta a esse ecossistema já fragilizado, especialmente em um contexto de crise climática global. A APA Aldeia-Beberibe, além de sua importância ambiental, é um patrimônio natural crítico para a biodiversidade e a regulação climática regional.

    O silenciamento em torno do tema tem sido notável, com o próprio Exército evitando divulgar detalhes sobre o projeto e suas implicações. Apesar disso, organizações da sociedade civil têm se mobilizado para alertar sobre os riscos do empreendimento, que envolve entidades nacionais como o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima (MMA), o Exército Brasileiro e o Governo Federal.

    Diante da magnitude dos atores envolvidos, a defesa da Mata Atlântica em Pernambuco requer uma mobilização nacional. A luta pela preservação das matas de Malunguinho, como são conhecidas localmente, enfrenta desafios significativos, dada a força política e econômica dos proponentes do projeto. A organização coletiva e a pressão popular surgem como ferramentas essenciais para evitar um possível desastre ambiental e garantir a proteção desse patrimônio natural. 

    O que está em questão?

    O Exército Brasileiro, visando unificar a formação de seus sargentos no 2º ano, que antes era difusa, em um único local, anunciou a Escola de Sargentos de Armas do Exército (ESE). O empreendimento promete ser a maior escola de formação militar da América Latina, uma das maiores do mundo, segundo o próprio Exército. Um investimento de 2 bilhões, segundo a agência.gov, além disso, cerca de 400 milhões serão gastos pelo governo do estado de Pernambuco (Raquel Lyra - PSDB) como contrapartida para que a escola seja sediada no estado.

    A escola seria composta de 4 equipamentos, seriam eles: a Vila Militar (que teriam 24 prédios de até 6 andares, representada na figura 2), Vila Olímpica (piscina, campo de futebol, pista de cooper, etc.), Parque de tiros, e a Escola militar propriamente dita. A localização do complexo militar seria na área do CIMNC que, por sua vez, está no município de Abreu e Lima.

    Para realizar sua obra faraônica, o exército visa desmatar 94 hectares de Mata Atlântica em estágio primário e secundário. O número já foi maior, 188 hectares, mas reduziram depois da pressão de movimentos e organizações ambientalistas da Região Metropolitana do Recife (RMR), principalmente do Fórum Socioambiental de Aldeia e do movimento Salve APA Aldeia-Beberibe.

    Mas mesmo com a redução, ainda não é o suficiente, segundo os ambientalistas, visto que, o discurso do Governo Lula e as necessidades do presente (mudanças climáticas, extinção de espécie, colapso de biomas, etc.) falam sobre a necessidade do desmatamento zero.

    O empreendimento pode ter graves consequências para a população da RMR. A mata em questão é fundamental para a bacia hidrográfica de botafogo (figura 3), que por sua vez, alimenta a barragem botafogo que abastece cerca de 1 milhão de pernambucanos. Esse fragmento é essencial, pois 100% do principal reservatório deste sistema é abastecido por pequenos rios litorâneos, cujas nascentes estão todas na mata do CIMNC.

    Em adição, seria uma perda inestimável para o bioma, pois a área está no Centro de Endemis\mo Pernambuco, abrigando espécies únicas desse local. Além disso,  41 % dos fragmentos de Mata Atlântica do Nordeste têm menos de 1 Ha, enquanto apenas 1,42% têm área maior que 100 hectares. Compensação ambiental conseguiria remediar o dano? Como seria feita e qual seria o custo da compensação ambiental? São perguntas ainda sem resposta por parte do exército.

    Ademais, devido ao decreto estadual 47.556 de 5 de junho de 2019, o CIMNC está na área do Corredor Ecológico da APA Aldeia-Beberibe. A função de um corredor ecológico é garantir o fluxo gênico das espécies que vivem em fragmentos separados de mata, dessa forma, no caso da APA Aldeia-beberibe, serviria para ter esse fluxo entre as áreas de proteção integral que estão dentro da APA (figura 4).

    Ou seja, não poderia ser autorizada a construção de um gigantesco empreendimento como esse na área de corredor ecológico, inclusive foi algo questionado pelo Fórum Socioambiental de Aldeia junto ao MPPE. Em resposta ao fórum houve a decisão na justiça, a liminar da 1ª Vara Cível da Comarca de São Lourenço da Mata que determinou, com tutela de urgência, que o Governo do Estado e a Agência Estadual do Meio Ambiente (CPRH) não autorizassem a construção de qualquer empreendimento público ou privado e/ou intervenção humana na área que compõe o Corredor Ecológico da APA.

    No entanto, o exército utilizou-se de sua influência, o presidente do TJPE, Ricardo Paes Barreto derrubou a liminar liberando novamente para a ESA. O que não é coincidência, pois alguns meses antes o CMNE recebeu o presidente do TJPE e desembargadores do tribunal em uma reunião para estreitar laços entre as instituições e falar sobre a ESA (figura 8).

    A questão nesse momento ainda recai sobre o IBAMA, visto que são obras de uma instituição comandada pelo Governo Federal. Apesar do Ibama ter conferido a dispensa de licenciamento para construção, tendo como base a Lei Complementar nº 140/11, que dispensa empreendimentos para preparo e emprego das forças armadas de licenciamento, não há autorização ou dispensa para supressão. Essa Lei Complementar é muito problemática, pois no entendimento da Advocacia Geral da União (AGU), apenas o Ministério da Defesa e o próprio Exército podem definir o que seria esse “preparo e emprego das Forças Armadas”.

    Inclusive, em 2019, o MPF já tentou exigir do IBAMA e da União que todas as atividades militares potencialmente poluidoras passassem por licenciamento ambiental regular até que o Poder Executivo editasse ato normativo entendido como adequado para regulamentar as operações militares, o que foi derrubado pela AGU.

    Na ocasião o coordenador-substituto de Patrimônio Público e Meio Ambiente da PRU4, o advogado da União Ricardo Gewehr Spohr. declarou “O entendimento em ambos os processos consolida a atribuição do Ministério da Defesa e das Forças Armadas na definição de certas atividades e empreendimentos militares não sujeitos ao licenciamento ambiental. Essa definição exige conhecimentos estratégicos específicos, alheios aos demais órgãos da Administração Pública”. Em 2018, um hospital militar em Porto Alegre, que poderia se pensar estar suscetível ao licenciamento ambiental como todo Hospital ou Clínica, por seu evidente potencial poluidor, foi isento do licenciamento pelo mesmo motivo. Percebe-se como essa Lei Complementar é utilizada de forma arbitrária pelas forças armadas para “fugir” do licenciamento.

    Até o presente momento o exército não apresentou nada, nenhum estudo ambiental ao IBAMA para começar suas operações. No entanto, mesmo assim há declarações como a de Raquel Lyra (PSDB) de que a instalação da Escola de Sargentos em Pernambuco é irreversível. Ou ainda do Presidente Lula (PT) que veio para Recife em 2024 apoiar os militares e desmobilizar os ativistas ambientais: “Eu sei da vocação e da capacidade de luta dos nossos ambientalistas, eu sei de tudo isso. Mas o que a gente tem que fazer, a gente de vez em quando precisa agradecer alguma coisa.

    Se não fosse o Exército ter essa área, ainda teria alguma árvore aqui ou já tinha tudo se transformado em favela, em ocupação desordenada? Então eu acho que nós temos que agradecer o que vocês fizeram”. A partir da fala do presidente, vale ressaltar que a área do CIMNC, apesar de tutelada pelo Exército, não foi recuperada pelo mesmo, a recuperação ambiental se deu de forma natural, sendo inclusive um processo único no estado de Pernambuco e que durou mais de 70 anos para acontecer.

    O IBAMA já forneceu Termo de Referência para realização do estudo ambiental adequado para autorização de supressão, no entanto, segundo denúncias anônimas, o exército irá se negar a realizar o estudo.

    Histórico mais detalhado do conflito APA vs ESA 

    Sobre a APA

    Na região Metropolitana do Recife, em Pernambuco, onde o caos urbano de um capitalismo tardio se instala, um resquício do que já foi o Brasil de Pindorama ainda resiste na região conhecida como Aldeia, mas que na verdade vai além dessa região do Município de Camaragibe, estamos falando da Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe. A área em questão é duplamente protegida. Em 1986, o então governador Gustavo Krause aprovou a lei 9860 de proteção aos mananciais, restringindo empreendimentos em áreas estratégicas para conservação dos recursos hídricos da RMR. Em 2010, através do decreto 34.692 do governo de Paula Câmara, foi criada a APA Aldeia-Beberibe, tendo uma área de 31.634 Ha perpassando os municípios de Recife, Camaragibe, Abreu e Lima, São Lourenço da Mata, Araçoiaba, Paudalho e Paulista. O decreto levou em consideração 10 pontos, que foram:

    • A revitalização da bacia hidrográfica do rio Beberibe;           
    • O maior fragmento contínuo de mata atlântica ao norte do São Francisco, além de diversos fragmentos com potencial para conectividade (criação de corredores ecológicos), e de refúgio para espécies   ameaçadas de extinção, sendo a área contínua em 2010 de 10.045 ha;           
    • Os remanescentes de mata têm função de proteger as nascentes de afluentes do Capibaribe e de outros rios que formam a bacia litorânea (GL1) que complementam o abastecimento da Região Metropolitana do Recife;           
    • A região foi classificada, em 2002, pelo Atlas da Biodiversidade de Pernambuco, elaborado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente - SECTMA, como de importância biológica Extrema e Muita Alta para a conservação da biodiversidade, ratificando a necessidade de proteção pelo Estado;           
    • Muitas das áreas incluídas na APA são porções de mata que recobre espaços com declividades superiores a 45°, topos de morro, cursos d’água e nascentes, definidos como Áreas de Preservação Permanente, segundo Lei Federal nº 4.771/65, e, em sua maioria, estão inseridas na Área de Proteção de Mananciais da RMR, instituída pela Lei nº 9.860/86;           
    • A área abriga o único reservatório do Litoral Norte - a Barragem de Botafogo - integrado ao sistema de abastecimento público da RMR;           
    • A ocorrência da Formação Beberibe, importante reserva de água subterrânea em exploração para abastecimento público da RMR e sua vulnerabilidade à poluição e contaminação provocada pelo uso e ocupação do solo sem controle;           
    • Além da biodiversidade rica, a área tem atributos paisagísticos dignos de serem apropriados e protegidos pela sociedade e Estado;           
    • A criação de uma Unidade de Conservação perpassando vários municípios pode ajudar a estabelecer planos conjuntos de conservação da biodiversidade (a lei usa patrimônio biológico), dos atributos paisagísticos e culturais e o desenvolvimento sustentável;           
    • Promoção do desenvolvimento sustentável da região, que deverá ser pautada na proteção dos recursos naturais, na valorização do homem e na preservação do patrimônio social, histórico, artístico e cultural, ali existentes.

    Os pontos iniciais do Decreto são úteis para se ter uma dimensão da importância dessa Unidade de Conservação (UC) de uso sustentável. Para além da importância local ao se abordar a água e refúgio para as espécies nativas, quando aborda-se a Mata Atlântica é importante lembrar da importância e grau de ameaça que esse bioma se encontra. Utilizando o conceito de hotspots de biodiversidade, no qual se leva em conta não apenas a riqueza de espécies, mas o quanto delas são únicas desse bioma (endemismo), a Mata Atlântica se encontra na 5ª posição entre os 36 do mundo. Em Pernambuco, menos de 10% da vegetação nativa original está de pé, o que torna mais imperativo a proteção dos resquícios de mata nativa.

    Vale salientar, que a existência da APA não foi algo advindo do governo do estado de forma espontânea, mas sim fruto de pressão da sociedade civil, assim como a criação do conselho gestor ( que demorou para ser oficialmente criado) e também do plano de manejo, que, inclusive, já precisa de atualizações. Dessa forma, evidencia-se que certas questões, principalmente a ambiental, quando não há interesse de mercado, são facilmente colocadas de lado, precisando que a população exerça pressão para assegurar a conservação. Inclusive, quando se pensa nos partidos mais hegemônicos da esquerda, vemos uma contradição entre discurso e prática, algo que abordaremos mais à frente.

    Os projetos estruturadores que ameaçam a APA

    Dois grandes projetos têm sido apontados como ameaças à APA Aldeia-Beberibe: o Arco Viário Metropolitano e a Escola de Sargentos de Armas do Exército (ESA).

    Arco Viário

    Um dos primeiros projetos que podemos citar está o Arco viário metropolitano, que foi uma promessa feita à Stellantis (anteriormente FIAT) como contrapartida para sua fábrica ser transferida de Suape para Goiana (projeto de interiorização). A promessa seria para facilitar o escoamento dos veículos até o porto sem precisar passar pelo trânsito do centro de Abreu e Lima. Atualmente, o projeto terá um investimento de 1,3 bilhão (50% da união via DNIT e o restante pelo estado de PE), sendo incluído na versão mais recente do PAC 3 do governo Lula. Ele teria dois grandes trechos, a porção sul que ligaria a BR-232 ao Cabo de Santo Agostinho e a porção norte que sairia de Paudalho e iria até a BR-101 em Itapissuma. A problemática estaria no eixo norte, visto que, no traçado inicial, o arco atravessaria a APA no meio, transpassando o rio Catucá, principal afluente da barragem de botafogo que abastece cerca de 1 milhão de pessoas na RMR, mais especificamente nos municípios de Igarassu (parcialmente), Cruz de Rebouças, Abreu e Lima, Paulista, Praias da Zona Norte, Navarro (parcialmente) e Olinda (9 subsistemas).

    A proposta colocada por ambientalistas, pelo Fórum Socioambiental de Aldeia e também considerada melhor a melhor pela própria empresa que prestou o serviço de planejamento dos traçados é a configuração “arrudeia”, na qual se dá a volta na APA passando por municípios de baixo IDH como Araçoiaba, auxiliando o desenvolvimento nessas cidades. Coincidência ou não, a proposta cortando a APA ajudaria um cluster de termelétricas da região, além dos interesses imobiliários da região em aumentar a urbanização do local. A questão do Arco Viário conecta-se com a questão da escola de sargentos, o que será abordado abaixo.

    Escola de formação de Sargentos do Exército (ESE)

     A pedra fundamental da Escola de formação de Sargentos de Armas do Exército Brasileiro foi colocada no Campo de instrução Marechal Newton Cavalcante (CIMNC) no ano de 2022 pelo então presidente da República Jair Bolsonaro. Hoje, quem passar no concurso público para ser sargento do exército (apenas para pessoas entre 16 e 23 anos, para mulheres a altura mínima é 1,55m e para homens 1,60m) passará por dois anos formativos, o 1º ano acontece em uma das 13 Unidades de Ensino Tecnológicas (UETE), sendo a de Natal-RN e Fortaleza-CE as únicas do Nordeste. No segundo ano formativo, no qual o aluno escolhe a especialidade, há 3 opções:

    1- Escola de Sargentos de Armas de Três Corações-MG
    2- Escola de Sargentos de Logística do Rio de Janeiro-RJ
    3- Centro de instrução de Aviação do Exército em Taubaté (SP)

    Ainda em 2021, o Exército pediu dispensa de licenciamento ambiental para o IBAMA, que por sua vez concedeu isenção de licenciamento para o Exército. Os termos da solicitação foram estranhos, visto que se falava do CIMNC enquanto empreendimento e não do complexo militar da escola de sargentos. de qualquer forma as conclusões do IBAMA no documento foram “Diante das considerações mencionadas acima, entende-se que as obras e atividades militares do Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti (CIMNC) não estão sujeitas ao licenciamento ambiental. Todavia, ressalta-se que tal isenção não dispensa o interessado da execução de medidas de prevenção de impactos ambientais negativos (ainda que de baixo potencial), de controle ambiental e monitoramento. Tampouco o exime de requerer autorizações junto aos demais órgãos, caso se façam necessárias.”

    Em outubro do mesmo ano (2021) o exército lançou uma peça de propaganda sobre a nova escola, deixando claro sua localização que, coincidência ou não, batia com o primeiro traçado do Arco Viário metropolitano (figura 1).

    Figura 1 - No retângulo vermelho a localização da escola. A linha vermelha seria o traçado do governo do estado para o Arco Viário.

    Ainda em novembro do mesmo ano, por solicitação do Fórum Socioambiental de Aldeia, ocorreu uma Audiência Pública na ALEPE. como resultado dessa audiência o MPPE recomendou: “[...]à Agência Estadual de Meio Ambiente - CPRH que, no processo de licenciamento ambiental referente ao empreendimento "Escola de Sargentos de Armas do Exército (ESA)", localizada na mata do CIMNC, no interior da APA Aldeia Beberibe:

    1. se abstenha de conceder qualquer licença ambiental até apresentação e eventual aprovação do EIA/RIMA, exigido nos termos da Lei nº 11.428, de 22/12/2006.
    2. realize audiências públicas para ouvida da sociedade e órgãos interessados, nos termos da IN nº. 001 /2008 da CPRH (c/c IN nº 006/2021)

    Encaminhe-se cópia da presente Recomendação ao Comando da 7ª Região

    Militar do Exército; à Agência CONDEPE/FIDEM; ao Conselho Gestor da APA Aldeia  Beberibe; ao Fórum Socioambiental de Aldeia, para ciência[...]”

    Em 23 de março de 2022 o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vem para Pernambuco e lança a pedra fundamental da escola (figura 2), mesmo sem existir projeto ou EIA/RIMA. Em entrevista ao Marcozero conteúdo, José Bertotti, o então secretário de meio ambiente, declarou “A CPRH, órgão licenciador, ainda não conhece o projeto, uma pedra fundamental, na minha opinião, só deveria ser lançada quando você estivesse com o projeto pronto, com todas as licenças aprovadas. E isso ainda não aconteceu”. Na época o que se tinha confirmado pelo exército era uma área mínima de uso de 150 hectares de mata nativa a ser derrubada.

    Figura 2- Representação da Vila Militar, conjunto de 24 prédios de 6 andares. Reprodução: Exército Brasileiro.

    Ainda no mesmo mês, o Fórum Socioambiental de Aldeia recorre ao Ministério Público Federal, o ofício completo está disponível aqui. No ofício o Fórum aborda a questão em 3 capítulos: 1- Situando o território e os Impactos Ambientais; 2- Situando a escola de Sargentos do Exército; 3- Das alternativas locacionais sugeridas pelo Fórum Socioambiental de Aldeia.  Desses vamos apenas abordar os capítulos 1 e 3, no capítulo 1:

    O fórum destaca a importância da mata para bacia hidrográfica de botafogo (figura 3), que por sua vez, alimenta a barragem botafogo que abastece cerca de 1 milhão de pernambucanos. A mata é fundamental, pois 100% do principal reservatório deste sistema é abastecido por pequenos rios litorâneos, cujas nascentes estão todas na mata do CIMNC;

    Figura 3: Mapa da bacia hidrográfica de Botafogo e a localização prevista da ESA no círculo amarelo, evidenciando como afetaria o rio Catucá. Reprodução: Fórum Socioambiental de Aldeia.

    Aponta o fato do equipamento de 110.000 metros quadrados do pátio de tiros estar em cima da nascente do rio Catucá (figura 3), o que comprometeria o sistema botafogo que já passa por dificuldades de abastecimento. Inclusive, em 2021 a represa de botafogo era tema na mídia local pelos seus baixos níveis de água.
    A área que seria desmatada (o termo técnico “suprimida” é mero eufemismo)  teria uma área maior que 96% dos fragmentos remanescentes existentes em Pernambuco;
    A área está no Centro de Endemismo Pernambuco, abrigando espécies únicas desse local;
    Compensação ambiental conseguiria remediar o dano? Como seria feita e qual seria o custo da compensação ambiental?
    Devido ao decreto 47.556 de 5 de junho de 2019, o CIMNC está na área do Corredor Ecológico da APA Aldeia-Beberibe. A função de um corredor ecológico é garantir o fluxo gênico das espécies que vivem em fragmentos separados de mata, dessa forma, no caso da APA Aldeia-beberibe, serviria para ter esse fluxo entre as áreas de proteção integral que estão dentro da APA (figura 4);

    Detalhe adicionado pelo autor (não está no documento do fórum): o governo na época do Paulo Câmara, ao decretar o corredor omitiu o mapa no documento oficial. Esse mapa foi resultado de um estudo que custou na época mais de 1 milhão de reais ao estado, mas como o corredor não atendia aos interesses da elite da RMR foi engavetado, desde então condomínios de luxo têm construído em área que deveria ser do corredor ecológico.

    Figura 4 - Corredores ecológicos projetados para interligar as Unidades de Conservação de Proteção Integral na APA. No círculo tracejado temos a escola onde foi proposta, interferindo fortemente no fluxo gênico. Reprodução: Fórum Socioambiental de Aldeia.

    Lei de proteção aos mananciais (Lei estadual 9.860 de 12 de agosto de 1986) limita empreendimentos em área de rande interesse hídrico para o estado, classificando as áreas, segundo sua restrição, em M1, M2 e M3, sendo a mais restritiva a M1, justamente o tipo de área que o exército deseja utilizar para construção da ESA, logo, como compatibilizar um empreendimento com prédios de 6 andares (figura 2) com a legislação?

    As alternativas locacionais são inúmeras, no ofício o Fórum se limita a apresentar apenas duas, sendo que a Araçoiaba constitui mais de uma alternativa por ter várias áreas contíguas:

    Alternativa Paudalho: apenas a 2 km de distância da localização proposta pelo Exército Brasileiro e menos de 400 m de distância para uma das entradas do CIMNC, sendo uma área de plantio extensivo de cana, área própria para construção com desmatamento zero;

    Alternativa Araçoiaba: São várias áreas contíguas ao CIMNC que podem ser usadas como alternativa locacional, colhendo como resultado desmatamento praticamente zero.

     Figura 5 - Alternativas Paudalho (tracejado) e Araçoiaba (polígono amarelo). Em verde o traçado do Arco Viário na configuração ”Arrudeia”, proposta pela empresa que fez os traçados e apoiada por ambientalistas. Reprodução: Socioambiental de Aldeia.

    No fim do ofício, o Fórum concluiu:

    As alternativas locacionais atendem ao pré-requisito estabelecido pelo Exército, o de que a localização da ESA se beneficiasse da presença do Centro de Instrução militar já existente.
    Preservaria o Meio Ambiente, evitando um desmatamento gigantesco e catastrófico de um bioma em extinção.
    Evitaria o impacto negativo e, também catastrófico, sobre a hidrologia local, em especial ao Sistema Botafogo.
     Propiciaria o desenvolvimento da região oeste da RMR, especialmente no plano econômico.
     Teria melhores condições de acessos rodoviários, seja pelas contrapartidas do governo na construção de acessos, pelo projeto do Arco Viário contornando a APA e pela malha já existente.
    O Exército amplia seu território e não perderia área vegetada, reconhecida como importante também para treinamento de suas forças.
     (xxii) Considerando verdadeiras essas constatações, e admitindo como positivo todos os cenários, o que impede uma flexibilização na escolha de alternativas locacionais na circunvizinhança do CIMNC?
    (xxiii) A posição de força do Exército em impor sua decisão, mesmo com consequências ambientais desastrosas?
    (xxiv) A omissão do governo do Estado em criar as condições alternativas através da desapropriação de terras, hoje utilizadas para o plantio cana?
    (xxv) Em se mantendo a localização proposta para construção da ESA, quem ganha? Será as futuras gerações? Essa preocupação está em nossa carta maior, nossa Constituição.

    Após esse ofício, enquanto resposta o exército mudou a configuração inicial do projeto (figura 6) para uma que retirava o pátio de tiros de cima do rio Catucá, mas em compensação a área a ser utilizada se torna maior, passando para 189 hectares (figura 7).

    Figura 6 - Configuração dos equipamentos no primeiro projeto da ESA (150 hectares de desmatamento). Reprodução: Fórum Socioambiental de Aldeia.

    Figura 7 - Nova configuração da ESA em laranja (189 hectares desmatados). Reprodução: Fórum Socioambiental de Aldeia.

    Em resumo, a pressão jurídica do Fórum Socioambiental de Aldeia, em conjunto com a pressão popular, fez com que o exército reduzisse novamente a área de construção dentro da APA para 94 hectares. Isso foi possível porque o Governo do Estado desapropriou uma área para construção da vila militar. O questionamento que fica é por que isso não é feito para todos os equipamentos, visto que é possível como foi indicado pelos estudos do Fórum Socioambiental de Aldeia.

    Posteriormente, devido a um ofício encaminhado ao MPPE pelo Fórum sobre os corredores ecológicos, houve a decisão na justiça que determinou, com tutela de urgência, que o Governo do Estado e a Agência Estadual do Meio Ambiente (CPRH) não autorizassem a construção de qualquer empreendimento público ou privado e/ou intervenção humana na área que compõe o Corredor Ecológico da APA. No entanto, o exército utilizou-se de sua influência, o presidente do TJPE, Ricardo Paes Barreto derrubou a liminar liberando novamente para a ESA. O que não é coincidência, pois alguns meses antes o CMNE recebeu o presidente do TJPE e desembargadores do tribunal em uma reunião para estreitar laços entre as instituições e falar sobre a ESA (figura 8).

    Figura 8 - Visita do presidente e outros membros do TJPE no CMNE.

    Estudos da UFPE, UFRPE, UFAL e Fórum Socioambiental de Aldeia

    Em 2023 é enviado para publicação um estudo conjunto das universidades UFPE, UFRPE e UFAL em conjunto com o Fórum Socioambiental de Aldeia, nele se projeta as das obras estruturadoras citadas como se pretendiam ser feitas, a ESA no projeto inicial (150 hectares) e o Arco Viário Metropolitano na configuração que passaria em frente ao complexo militar (primeiro traçado sugerido pelo governo de Pernambuco) em conjunto iriam desmatar cerca de 336 mil árvores, segundo o estudo denominado Empreendimentos planejados na APA Aldeia-Beberibe: impactos e futuro. Utilizando o desmatamento em outras áreas, técnicas como o escaneamento a laser, dentre outras tecnologias, o estudo fez uma projeção de futuro do impacto dos empreendimentos na APA.

    Degradação ambiental, piora da qualidade de habitats restantes, aves perdendo a possibilidade de se locomover, a fauna terrestre podendo ficar isolada por barreiras intransponíveis por causa das construções são alguns dos efeitos das obras estruturantes. Além disso, luz, som e partículas podem causar mudanças na dinâmica vegetal e animal por muitos quilômetros, afetando até áreas mais distantes em relação aos empreendimentos. Sem falar nas toneladas de carbono que seriam liberadas no ambiente decorrente do desmatamento. O estudo completo pode ser acessado no Sciensedirect.

    As audiências na ALEPE e o Salve APA Aldeia-Beberibe

    Após ser alvo de críticas por não se pronunciar sobre a ESA, a governadora Raquel Lyra, convoca por decreto um grupo de trabalho (GT) em 2023 com apenas uma cadeira para a sociedade civil, sendo logo criticada por querer debater o tema sem participação popular alguma no processo. No mesmo ano, o deputado Renato Antunes (PL), que por coincidência ou não, serviu no exército por 8 anos, convocou uma audiência pública na ALEPE para, em tese, debater com a sociedade Pernambucana sobre o tema da ESA na APA. Na primeira sessão (figura 9), a sociedade civil não teve lugar na mesa, que foi composta por Exército, Governo de Pernambuco e deputados apoiadores do projeto. Ainda nessa sessão, o exército apenas apresentou o projeto da escola deixando as perguntas feitas pela sociedade civil sobre o desmatamento e compensação em aberto.

    Figura 9 - Manifestantes ambientalistas presentes na audiência da ALEPE.

    Depois da primeira audiência começava a ficar claro como o exército não tinha pretensão alguma de considerar as alternativas locacionais por mais que atendessem todas suas prerrogativas e condicionantes. Na segunda sessão da audiência, a sociedade civil teve espaço de voz e pode apontar o desastre ambiental que está em curso, além de novamente fornecer alternativas locacionais para o Exército. No entanto, os ambientalistas foram confrontados com um show de horrores com deputados e civis bolsonaristas que foram para agitar e tentar atrapalhar o andamento da audiência. Frases “lacradoras” foram ditas por essas pessoas, tais como “Se fosse desmatar para plantar maconha vocês eram a favor”. Depois desses ataques era muito claro que o exército não queria mais diálogo e que o processo seria mais político do que técnico, dessa forma os manifestantes indígenas, acadêmicos, da luta por moradia e ambientalistas se reuniram para criar o movimento socioambiental Salve a APA ALdeia Beberibe (figura 10). Sendo representado pela preguiça, devido a seu apelo à memória coletiva da população da RMR, visto que, essa preguiça foi usada na campanha “Arrudeia” contra o arco viário atravessando a APA no meio em anos anteriores.

    Figura 10 - Alguns membros do Movimento Salve APA Aldeia-Beberibe (SAAB) em junho de 2024. Reprodução/Foto: Movimento SAAB.

    Desde sua criação, o movimento realizou diversas intervenções e têm tentado “furar a bolha” do socioambientalismo e aparecer nas diversas mídias para chamar atenção sobre a questão da APA em Pernambuco. Por exemplo, em dezembro de 2023, durante a COP28 Raquel Lyra passava a imagem de que era uma governadora conservacionista para os gringos que a assistiam, no entanto, foi confrontada por ativistas parceiras do SAAB sobre a ESA, constrangendo a governadora ao criticar sua hipocrisia no evento internacional (figura 11). Outros diversos momentos de intervenção foram feitos nas ruas, nas universidades, em outdoors e também em momentos institucionais.

    Foi o caso das conferências de meio ambiente ocorridas em janeiro de 2025, também foi caso do Plano Clima participativo do Governo Federal (programa em que as propostas mais votadas sobre clima/meio ambiente seriam aderidas pelo governo, pelo menos era essa a proposta). Neste último, a proposta do SAAB ficou entre as 10 mais votadas do Brasil e mesmo eles deslocando o pólo de Mata Atlântica para São Paulo, os ativistas do SAAB, via financiamento coletivo e popular (vaquinhas) conseguiu chegar lá e confrontar o governo por apoiar o desmatamento em Pernambuco (figura 11).

    Nesse carnaval de 2024 o tema da Unidos da Viradouro abordou a APA Aldeia-Beberibe graças a bons contatos de nossos membros. Por fim, não me delongarei aqui falando todas ações e lutas travadas pelo SAAB, apesar de ter apenas pouco mais de 1 ano de existência, o movimento fez muita coisa, e mesmo sendo constituído de um grupo tão heterogêneo, conseguiu manter sua unidade e foco. A seguir abordarei como o movimento tentou diálogo com as forças governistas e se frustrou diversas vezes.

    As fotos acima são de intervenções feitas pelo movimento SAAB em parceria com ONGs e outras organizações, na esquerda em cima intervenção na COP28 em dezembro de 2023; na direita em cima protesto no palácio do governo de Pernambuco no mesmo mês. Na esquerda embaixo o tema da Unidos da Viradouro abordou os juremeiros e a APA Aldeia-Beberibe no carnaval de 2025, na direita embaixo a intervenção do SAAB na Plenária do Plano Clima Participativo em agosto de 2024 em São Paulo.

    O governo Lula e sua base na questão da APA

    No dia 19 de janeiro, o presidente Lula veio para Recife (figura 12) a fim de acompanhar a transmissão de cargo do Comando Militar do Nordeste, nessa ocasião, acompanhado do prefeito João Campos, testemunhou a assinatura do termo de compromisso por parte do governo do Estado de Pernambuco se comprometendo com a ESA. Essa vinda do presidente encheu alguns militantes do SAAB de esperança, pois o discurso de Lula desde que assumiu era de desmatamento zero. No entanto, o que ouvimos em seu discurso foi tão ruim que muitos ativistas declararam na ocasião “Eu esperava essa fala do Bolsonaro, não de Lula”. Segue um trecho da fala do presidente: “Eu sei da vocação e da capacidade de luta dos nossos ambientalistas, sei de tudo isso, mas o que a gente precisa fazer, a gente precisa agradecer alguma coisa. Se não fosse o Exército nessa área, ainda teria alguma árvore aqui ou tudo teria se transformado em favela, em ocupação desordenada?”. É importante ressaltar o poder desmobilizador da fala do Presidente, após suas declarações, muitos simpatizantes do SAAB se afastaram do movimento, ficaram desanimados pensando que a luta estava perdida.

    Essas consequências podem revelar um personalismo intenso na esquerda progressista brasileira. Parece que existe um esquecimento de que foi a base popular de Lula que o legitimou e lhe deu relevância política. Depois desse ocorrido, a próxima tentativa do movimento foi com a Ministra de Meio Ambiente Marina Silva (figura 12), acreditava-se que ao pressioná-la algo poderia ser feito. Em março de 2024, integrantes do SAAB aproveitaram que a ministra estava no Recife para pressioná-la.

    No entanto, a resposta da ministra foi evasiva beirando ao burocratismo, esvaziando-se da política como se o problema da questão fosse somente técnico, segue a fala da ministra: “O processo de licenciamento é feito pelo Ibama, é uma decisão de natureza técnica. Não é uma decisão de natureza política, e ele vai percorrer todos os ritos necessários de um licenciamento ambiental. É claro que é dentro de uma área militar, tem um rito diferente. Mas tecnicamente o Ibama tem toda a isenção de fazer o seu parecer”.

    Para além dessas figuras centrais do governo, o deputado Túlio Gadelha (REDE) apoiou o Fórum em algumas ocasiões. O deputado João Paulo (PT), fez algumas colocações propositivas durante as audiências na ALEPE, mas nada além disso. O vereador Ivan Morais e Carol Virgolino (PSOL) deram muito apoio ao movimento estando presentes em alguns atos de rua conduzidos pelo SAAB, além de utilizarem suas mídias para abordar o assunto com a população da RMR. Além disso, estavam sempre em contato com o SAAB, em especial a Carol conversando, dando ideias, participando das reuniões.

    A deputada Rosa Amorim (PT) passou um bom tempo em silêncio, mas se manifestando em favor do SAAB em seu perfil no Instagram em 2024 depois de ter sido muito pressionada pela sua base. Agora, em março de 2025, a deputada é presidente da Comissão de Meio Ambiente da ALEPE e fez declarações oficiais nas redes sociais apoiando o SAAB e contra o desmatamento da escola. Em conjunto, também se manifestaram a Liane Cirne (PT) e a vereadora de Olinda Eugênia Lima (PT). É curioso que essas figuram se manifestaram tão tarde depois de tanto tempo em silêncio.

    A cerimônia onde o governo federal e estadual reafirmou seu compromisso com a ESA e os militares.

    Evento no qual a ministra Marina foi abordada pelo SAAB.