Derrota do peronismo nas eleições legislativas consolida força de Javier Milei na Argentina

O governo "libertário" de Milei é o experimento neoliberal mais radical na América Latina desde a ditadura de Pinochet no Chile e conta com um apoio amplamente majoritário na classe dominante argentina e também do imperialismo.

17 de Novembro de 2025 às 21h00

Reprodução/Foto: REUTERS/Cristina Sille.

Em menos de dois meses a Argentina viveu uma épica reviravolta eleitoral. Acuado por vários escândalos de corrupção e enfrentando protestos diários nas ruas, o governo ultraliberal de Milei, em 7 de setembro, sofreu uma contundente derrota nas eleições legislativas da Província de Buenos Aires, a maior do país. O seu partido, o La Libertad Avanza (LLA), ficou 14% atrás do peronismo representado pela legenda Fuerza Patria. Uma nova derrota nas eleições legislativas nacionais de 26 de outubro parecia certa, mas o LLA virou o jogo e obteve uma vitória por 7% de margem, soterrando o peronismo.

O governo "libertário" de Milei é o experimento neoliberal mais radical na América Latina desde a ditadura de Pinochet no Chile e conta com um apoio amplamente majoritário na classe dominante argentina e também do imperialismo. O governo estadunidense de Donald Trump ofereceu uma ajuda financeira de US$ 20 bilhões ao país, condicionada a uma vitória eleitoral de seu aliado em outubro. Essa promessa ajudou a conter a queda do peso argentino frente ao dólar e deu ares de credibilidade ao discurso de campanha terrorista do LLA de que a escolha era entre o mileismo e um novo colapso da economia como o de 2001.

Estaria se consolidando na Argentina uma hegemonia política da extrema direita "libertária"? Não é bem assim. Tanto as urnas como todas as pesquisas de opinião apontam que o programa ultraliberal e antipopular do atual governo tem o apoio de mais ou menos um quarto dos argentinos. Se analisamos os resultados eleitorais de outubro, dos 36 milhões de eleitores aptos a votar, 12 milhões se abstiveram ou votaram branco ou nulo, 9 milhões votaram no LLA, 7,7 milhões no peronismo, 1,9 milhões na coligação centrista Provincias Unidas, 900 mil no FIT-U (Frente de Izquierda y de Trabajadores – Unidad, esquerda radical) e o restante em uma miríade de partidos menores. Duas coisas devem ser destacadas. A abstenção foi a maior desde o fim da última ditadura, apesar do voto obrigatório e da polarização causada por Milei. E o crescimento eleitoral do "libertarismo" aconteceu às custas da direita tradicional, principalmente o macrismo, absorvido pelo LLA de Milei em sua coligação eleitoral.

A classe trabalhadora e o povo resistem como podem aos ataques do governo e conseguiram algumas vitórias nessas lutas, como derrubar o veto de Milei a uma lei que garante o pagamento de pensões públicas para pessoas descapacitadas, depois de muita pressão das ruas sobre o Parlamento. No entanto, tanto a institucionalidade, no Legislativo e no Judiciário, como a central sindical CGT, vinculada ao peronismo, mantém uma atitude conciliatória ou mesmo cúmplice frente aos abusos do "libertarismo" instalado na Casa Rosada, sede do Executivo argentino.

Outro fator que facilita a vida de Milei é a crise do peronismo, que se insere na crise mais ampla do progressismo latino-americano em geral, incapaz de romper efetivamente com o neoliberalismo e que cada vez mais se limita a ser um gestor "mais humano" desse mesmo modelo concentrador de riqueza e renda e gerador de desigualdade. O governo peronista anterior a Milei, o de Alberto Fernández, foi como uma síntese dessa dinâmica. Durante quatro anos cumpriu fielmente a cartilha de austeridade a pretexto de que a dívida de US$ 50 bilhões contraída por Macri junto ao FMI em 2018, um ano antes das eleições, não lhe deixava outra alternativa. O resultado foi o descrédito do peronismo e a ascensão de Milei.

A próxima batalha da luta de classes na Argentina vai ser contra a reforma trabalhista proposta pelo governo, que entre outras coisas permite jornadas de trabalho de até 12 horas diárias e elimina ou restringe diversos direitos, inclusive o de greve. No embalo das lutas sociais, a esquerda radical experimenta um crescimento eleitoral e também na sociedade, mas está ainda distante de ser uma alternativa de poder. O fato é que existe uma grande bronca acumulada entre os trabalhadores e as massas populares contra o "libertarismo" mileista. Se essa bronca vai ser canalizada politicamente em um projeto de esquerda antagônico ao neoliberalismo, se vai ser direcionada apenas eleitoralmente em favor do peronismo nas eleições presidenciais de 2027 ou ainda se vai simplesmente explodir em uma onda de revolta popular espontânea como já se viu outras vezes na História recente da Argentina, só o futuro dirá.