Prefeitura de Vila Velha (ES) despeja mais de 800 famílias de ocupação
Sem qualquer plano de realocação ou respostas dignas, o processo ocorreu “a ferro e fogo”, com o uso de tratores, helicópteros e um forte aparato da Polícia Militar do Espírito Santo.

Despejo da Ocupação Vila Esperança. Reprodução/Foto: Fernando Madeira/A Gazeta.
Por Victor Sampaio
Na manhã da terça-feira, dia 09, foi cumprida a ordem de despejo das famílias da ocupação Vila Esperança. Sem qualquer plano de realocação ou respostas dignas, o processo ocorreu “a ferro e fogo”, com o uso de tratores, helicópteros e um forte aparato da Polícia Militar do Espírito Santo. A ação segue decisão da Justiça de Vila Velha, assinada em 20 de agosto pelo juiz Manoel Cruz Doval.
Com o auxílio de máquinas que derrubavam as casas erguidas pelos moradores, em poucas horas foi destruído o trabalho coletivo de mais de oito anos de luta, organização comunitária e construção de um espaço social voltado à reivindicação do direito à moradia.

Trator destruindo casas durante despejo. Reprodução/Foto: Fernando Madeira/A Gazeta.
Ao longo de toda a sua história, a Vila Esperança resistiu ao esquecimento do Estado, que nunca se dispôs a regularizar a área e garantir o direito constitucional à moradia. A situação, entretanto, agravou-se a partir de 2020, com a eleição do prefeito Arnaldinho Borgo (sem partido), que intensificou as tentativas de despejo em meio a negociações suspeitas com o empresário Eduardo Balestrassi e o setor imobiliário, interessados em construir um condomínio de luxo no local. Chegou-se ao ponto de a atual medida ignorar a suspensão da reintegração de posse determinada pelo STF, que condicionava qualquer remoção à apresentação de um plano de alternativas habitacionais para as famílias. Mesmo diante dos pedidos da Defensoria Pública e das manifestações contrárias de movimentos sociais, o poder público insistiu na execução da ordem de despejo.

Policiais armados com armas de fogo, cassetetes e escudos durante a reintegração de posse da Vila Esperança. Reprodução/Foto: Thiago Soares/Folha Vitória.
O governador Renato Casagrande, por sua vez, manteve uma postura omissa durante todo o processo. A execução do despejo, contudo, mostrou que não se tratava apenas de omissão, mas de conivência: ao autorizar o uso da PM para reprimir qualquer resistência, o governo estadual optou por preservar alianças políticas com Arnaldinho, entregando centenas de famílias à própria sorte.
Mesmo diante de ameaças constantes, os moradores da Vila Esperança buscaram, ao longo de oito anos, dialogar com o poder público e chegaram a apresentar propostas para transformar a área em um novo bairro. Ainda assim, a Prefeitura de Vila Velha ignorou tanto essas iniciativas quanto o grave déficit habitacional da cidade, deixando claro que seu objetivo nunca foi garantir moradia digna à população, mas sim favorecer os interesses do setor imobiliário.
O resultado é trágico: mais de 800 famílias, cerca de 3,6 mil pessoas — entre crianças, idosos e mães solo — foram jogadas nas ruas, sem perspectiva de onde morar. Ao invés de resolver um problema social, a Prefeitura criou outro ainda maior, aprofundando a exclusão e a violência. O caso da Vila Esperança já se configura como uma das maiores tragédias sociais da história do Espírito Santo.

Casa de madeira em chamas, com a frase “Casa pra viver, não para lucrar” pintada na fachada, ao lado de outra construção onde se lê “Injustiça”, em denúncia à remoção forçada de famílias. Reprodução/Foto: Redes.
Durante o despejo, em um ato de resistência e indignação, alguns moradores atearam fogo às próprias casas, recusando-se a entregar o que haviam construído com tanto sacrifício. “Preferi botar fogo do que entregar a casa que construí com tanta dificuldade”, declarou um deles em entrevista à Folha Vitória.
Mesmo após a repressão, às famílias decidiram ocupar uma área ao lado do Palácio Anchieta, sede do governo estadual, onde permanecem desde 01/09. A permanência tem sido garantida com dificuldade, por meio de doações e campanhas de arrecadação. Os moradores fazem poucas refeições por dia e enfrentam a rotina de dormir e tomar banho nas ruas.

Famílias da Vila Esperança acampam ao lado do Palácio Anchieta. Reprodução/Foto: Redes.
Sob a palavra de ordem “Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito”, a ocupação do Palácio Anchieta tem como objetivo denunciar a inconstitucionalidade do despejo e cobrar do governo estadual uma resposta efetiva. A resistência dos moradores envia um recado claro: não abandonarão a luta até que seus direitos sejam garantidos.
O governo, entretanto, continua sem apresentar um plano de realocação digno. Reuniu-se apenas uma vez com representantes da comunidade, sem oferecer uma solução concreta. Mesmo diante da ocupação pacífica, o governo optou por cercar o Palácio Anchieta com policiamento permanente, em regime de vigilância e intimidação, além de restringir o acesso dos moradores a banheiros internos do local.