Trabalho escravo: Pecuária lidera resgates no Brasil e abastece gigantes multinacionais

Séculos após a abolição, a escravidão persiste no agronegócio brasileiro, beneficiando gigantes como JBS com a conivência do Estado, enquanto a maioria dos resgatados continua sendo a população negra.

27 de Outubro de 2025 às 21h00

Reprodução/Foto: SIT/Ministério da Economia.

Em 2024, 2.004 trabalhadores foram resgatados de condições de trabalho análogo à escravidão através de ações fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), valor menor que os 3.190 trabalhadores resgatados em 2023, maior número da última  década. A herança da escravidão se encontra concentrada em um setor que acumula privilégios legais e fiscais no Brasil, a agricultura empresarial, representando mais de 80% dos trabalhadores resgatados entre 2003 e 2022. Ainda dentro do Agronegócio, uma porção se destaca, a pecuária, responsável por 46% dos casos totais no mesmo período.

A pecuária brasileira, que se autofiscaliza desde a sanção da Lei do Autocontrole (Lei 14.515/2022 e Decreto 12.126/2024) e recebe bilhões do Plano Safra, concentra 26% dos trabalhadores vítimas de trabalho escravo no país, segundo a série histórica dos registros do MTE. Isso equivale a um total de 17,3 mil trabalhadores sujeitos a condições análogas à escravidão entre 1995 e 2024.

A questão é profundamente grave no Pará, o estado com mais resgates de pessoas em condições de trabalho análogo à escravidão. O relatório Combate à escravidão moderna no Brasil: estimativa de prevalência e perfil de vulnerabilidade do trabalho forçado e análogo ao de escravo na pecuária no Pará, realizado pela Fundação Pan-Americana para o Desenvolvimento (PADF), de 2024, revelou que 31% dos trabalhadores da pecuária haviam sido vítimas de trabalho forçado nos 2 anos anteriores à publicação.

Desde 1995, o setor com maiores números de resgates foi a pecuária, seguida de: produção florestal em florestas nativas, cultivo de café, cultivo de soja, lavouras temporárias e construção de edifícios.

A JBS S.A., maior processadora de carnes do planeta – dona da Friboi, Seara, Swift, Maturatta, entre outras nos ramos de couro, celulose, serviços financeiros, higiene e limpeza, com faturamento líquido de US$ 77,2 bilhões (ou R$ 388,7 bilhões) em 2024, conta com diversos fornecedores flagrados utilizando trabalho com condições análogas à escravidão. Apesar de afirmar seguir a “Política de Compra Responsável de Matéria-Prima da JBS e o Protocolo de Monitoramento de Fornecedores de Gado do Ministério Público Federal e do Imaflora”, a empresa continua comprando de fazendas autuadas e empresários inseridos na “Lista Suja” do trabalho escravo.

Apesar das constantes denúncias e flagrantes de envolvimento da empresa com trabalho análogo à escravidão e violações ambientais, a JBS evitou entrar na “Lista Suja” recorrendo ao atual Ministro do Trabalho e Emprego. Luiz Marinho decidiu por suspender a inserção da JBS Aves na lista, contrariando a deliberação da área técnica responsável pelo caso.

A prática não se limita à JBS. A concorrente MBRF – proprietária da Sadia, Perdigão, Qualy, entre outras – já foi condenada, no estado do Paraná, por trabalho em condições análogas à escravidão. O frigorífico Mercúrio também é alvo de denúncias por relações com fornecedores pecuaristas que submetem trabalhadores à escravidão.

Um dos limites da fiscalização é a restrição do monitoramento aos fornecedores diretos, que transferem os animais diretamente da fazenda ao abate. Ou seja, os “fornecedores indiretos” ficam de fora da vigilância das empresas e auditorias.

Empresas estrangeiras também se beneficiam do trabalho análogo à escravidão no Brasil. A Santa Colomba Agropecuária, produtora de grãos e sementes, algodão, cacau e tabaco na Bahia, autuada por imposição de trabalho análogo à escravidão, tortura e lesão física sobre empregado, é fornecedora da gigante da indústria química chinesa Syngenta Seeds/ChemChina e da Suíça Philip Morris – dona da Marlboro e Chesterfield, entre outras.

Os dados revelam a persistência do passado escravista e colonial: 137 anos após a abolição, o Brasil ainda convive com a escravidão. Longe de ser uma casualidade, a prática se mostra um elemento persistente e lucrativo para o setor mais privilegiado do país, o agronegócio. A lógica é cruel: enquanto o estado burguês garante benefícios fiscais, legais e bilhões em investimentos através de programas como o Plano Safra, é omisso na proteção à dignidade da população trabalhadora.