Justiça retoma ordem de despejo de mais de 800 famílias em Vila Velha (ES)
Essa não é a primeira tentativa de expulsão da comunidade. O despacho autoriza, ainda, o uso de força policial, arrombamentos e até demolições, caso sejam considerados “necessários”.

Reprodução/Foto: Leonardo Sá.
Por Victor Sampaio e Caio “Kako” Couto Moreira
No dia 20 de agosto, às vésperas do Dia Nacional da Habitação, a Justiça de Vila Velha determinou a retomada da ordem de despejo da Ocupação Vila Esperança, localizada em Jabaeté. A decisão, assinada pelo juiz Manoel Cruz Doval, fixou um prazo de 20 dias corridos para a remoção das famílias. O despacho autoriza, ainda, o uso de força policial, arrombamentos e até demolições, caso sejam considerados “necessários”.
Essa não é a primeira tentativa de expulsão da comunidade. A Vila Esperança tem sido alvo de uma ofensiva articulada pelo prefeito Arnaldinho Borgo (sem partido) em aliança com o setor imobiliário. Em abril deste ano, uma ação semelhante chegou a ser suspensa pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a elaboração de um plano capaz de garantir alternativas habitacionais às famílias antes da remoção.
Apesar disso, a nova decisão da Justiça de Vila Velha ignora a orientação do STF e considera o plano apresentado pelo município e pelo proprietário da área sendo “satisfatório e razoável”, mesmo sem prever realocação efetiva dos moradores. A única medida oferecida foi um auxílio emergencial de parcela única no valor de R$ 2,2 mil para apenas 135 famílias, número muito inferior ao total de moradores. O processo também foi marcado pela exclusão da participação da comunidade, cujas reivindicações foram descartadas. Em outro ponto no mínimo polêmico, o magistrado rejeitou o pedido da Defensoria Pública do Estado (DPES) para a divulgação nominal dos beneficiários do auxílio, alegando tratar-se de “medida irrelevante”.
A comunidade Vila Esperança surgiu em 2017, quando famílias sem acesso à moradia ocuparam a antiga área conhecida como Fazendinha Treze. Desde o início, o terreno é alvo de disputas judiciais. O empresário Carlos Fernando Machado reivindica a posse, mas movimentos sociais denunciam indícios de grilagem no processo de registro.
A atuação de Arnaldinho Borgo é central nesse processo. Logo após assumir o cargo, em 2021, o atual prefeito revogou um decreto que declarava a área como de interesse social — passo fundamental para sua regularização da área — e passou a estimular a especulação imobiliária no local, favorecendo projetos de condomínios de alto padrão.
O prefeito é citado em denúncias sobre o recebimento de um apartamento de alto padrão na Praia de Itaparica, supostamente em nome do empresário Eduardo Balestrassi, dono da Praia Construtora, acusado de obras em áreas de proteção ambiental no Morro do Moreno. Atualmente, Balestrassi estaria negociando a área com o grupo Alphaville, que condiciona o negócio à remoção das comunidades Vila Esperança e Vale da Conquista.
A autorização para uso de força policial agrava ainda mais o cenário. Desde fevereiro, a Polícia Militar tem intensificado a repressão contra a comunidade, com operações aéreas, presença ostensiva e episódios de violência. Em março, durante um protesto em frente à Prefeitura, o militante João Otávio foi preso, e uma fiança de R$ 30 mil foi imposta para sua libertação — medida vista como tentativa de criminalizar lideranças e intimidar a organização popular.
Atualmente, estima-se que cerca de 3,6 mil pessoas, organizadas em 800 famílias, vivem na Vila Esperança. Entre elas estão crianças, idosos, mães solos e trabalhadores que sobrevivem com rendimentos que variam de 100 reais a meio salário mínimo por família. Todos enfrentam a ausência de infraestrutura básica, como água, energia, saneamento e segurança. Apesar das inúmeras tentativas de diálogo, a Prefeitura nunca apresentou alternativas concretas, ampliando a sensação de abandono.
Para Baiana, liderança da ocupação, essa postura revela uma escolha política que coloca o lucro acima da vida. “Nosso direito à moradia deveria prevalecer sobre os interesses empresariais, mas o governador do Estado permanece em silêncio, sem reconhecer essa prioridade”, criticou. Ela reforça que os moradores estão organizados e têm condições de estruturar um novo bairro, mas seguem sem ser ouvidos pelo poder público.
O quadro se torna ainda mais preocupante diante da crise habitacional no estado. Segundo a Fundação João Pinheiro (FJP), em 2024 o Espírito Santo registrou um déficit de 92,2 mil moradias — 6,3% do total de domicílios. Entre janeiro de 2022 e junho de 2024, a Defensoria Pública contabilizou 59 casos de remoções e ameaças de despejo, afetando mais de 37 mil pessoas.
Agora, com o prazo de despejo em contagem regressiva, marcado para 9 de setembro, e sem qualquer plano de realocação, as famílias da Vila Esperança enfrentam a possibilidade de serem lançadas à rua sem alternativa. Em vez de garantir o direito à moradia e reconhecer a organização da comunidade que já constrói sua vida no local, a decisão judicial escolhe aprofundar a exclusão social e a violência, transformando a crise habitacional capixaba em tragédia anunciada.
O caso da Vila Esperança vem se tornando o mais recente epicentro de um conflito que expõe a histórica tensão pela moradia no Brasil. A disputa, que coloca em lados opostos um projeto imobiliário de grande porte e a luta de centenas de famílias de trabalhadores, levanta questões sobre o papel central da aliança do setor privado e o poder público na negação do direito à moradia.
No coração do impasse, a Vila Esperança - uma comunidade com cerca de 800 famílias, que enfrenta uma ação de despejo judicial. De um lado, o poder público juntamente com o empresariado a fim de lucrar com empreendimentos imobiliários Do outro, os moradores, que resistem destinados como uma opção a resistir rotineiramente as ameaças e tentativas de tomada a força do local.
A realidade vivida em Jabaeté não é um episódio isolado, mas parte de um padrão histórico em que a lógica da exclusão social se repete. Hoje, ganha contornos ainda mais dramáticos, evocando paralelos com cenários de violência internacional, como os vividos em Gaza.
A comunidade, no entanto, demonstra uma notável capacidade de resistência. Através da organização e da luta coletiva, as famílias da Vila Esperança têm se mobilizado em protestos, audiências públicas e articulações com a Defensoria Pública, buscando a suspensão do despejo e soluções habitacionais permanentes. A experiência da ocupação, portanto, não é apenas um retrato de uma crise, mas um testemunho da resiliência de um grupo que insiste em reivindicar o seu lugar na cidade.