O multipolarismo e a ONU: a falácia da cooperação internacional e o real significado do Estado-nação

Após a Segunda Guerra, organismos como a ONU mascararam a dominação imperialista sob o discurso da paz; só o socialismo pode garantir verdadeira liberdade e cooperação entre os povos.

10 de Novembro de 2025 às 16h30

Reprodução/Foto: Richard Sharrocks/Getty Images.

O mundo pós 2ª Guerra Mundial foi testemunha do surgimento de uma série de organismos internacionais que se passavam como órgãos de garantia da paz, mas que serviam como palco de combate entre os interesses opostos das grandes potências imperialistas, por um lado, e do bloco socialista, por outro. O mais notável desses organismos segue existindo até hoje, a Organização das Nações Unidas (ONU).

Para além do discurso e de tentativas ilusórias da busca pelo desenvolvimento da humanidade, desde o início caberia aos comunistas denunciarem a hipocrisia inerente à mistificação pequeno-burguesa da “paz duradoura” sob a tutela desses organismos, mas essa tarefa foi abandonada pelo giro estratégico das frentes populares e pela dissolução da Internacional Comunista e enterrada de vez com a estratégia da “coexistência pacífica” a partir do XX Congresso do PC da União Soviética. Ainda em 1950, o Conselho de Segurança da ONU deu seu aval para a Guerra da Coreia, defendendo as forças anticomunistas do Sul do país contra os revolucionários que foram os principais responsáveis pela libertação do jugo japonês. Instituições surgiram como mecanismos para coordenar as disputas interimperialistas e garantir as “regras do jogo” da ordem capitalista global, legitimando a hegemonia, principalmente do imperialismo estadunidense, frente às suas concorrentes. A hegemonia do “pacifismo” e do “humanismo”, inclusive entre os comunistas, revelava e reproduzia a correlação de forças negativa para os trabalhadores no pós-Segunda Guerra, que só começou a ser rompida, mesmo assim com limites, com os processos de libertação nacional na Ásia e na África. A presença dos países socialistas só foi tolerada a partir de 1955, em sua maioria, com bases em critérios arbitrários e que só serviam para manter a capacidade dos países capitalistas em sustentar sua diplomacia contra os trabalhadores sem grandes disputas.

Depois da contrarrevolução nos anos 1990, qualquer sopro de equilíbrio de forças se esvaiu imediatamente. Uma das mais grotescas provas do novo momento “unipolar”, de hegemonia praticamente inabalada dos EUA, cuja expressão militar era a aliança imperialista militar da OTAN, foi o bombardeio a Sarajevo e a partilha dos territórios da Iugoslávia. Mas as contradições internas do próprio sistema capitalista-imperialista não cessam e não se configuram nunca de maneira unilateral. O desenvolvimento de novas potências regionais, no quadro do capitalismo monopolista, necessariamente levaria – como levou – às disputas em torno de mercados, territórios, força de trabalho e exportação de capitais.

Duas visões aparecem no seio do movimento operário internacional já no final do século XX e se apresentam como “vias” de combate ao unipolarismo representado pela aliança entre EUA e União Europeia, amalgamados militarmente pela OTAN: a primeira era o conceito de multipolarismo; a segunda, a retomada da revolução socialista como saída.

O “multipolarismo” vem sendo defendido insistentemente por diversas perspectivas oportunistas em nível mundial há décadas. Sua visão pode ser resumida como a ilusão de que, no cenário de potências emergentes – particularmente a Rússia e a China –, um “novo equilíbrio” se estabeleceria, e isso “retornaria” o mundo a um momento de paz mundial e de dissuasão aos interesses imperialistas do bloco EUA-UE-OTAN, mediado pelo direito internacional e pelos espaços da ONU. Essa visão é falsa por pelo menos dois motivos. O primeiro é que desconsidera completamente que a correlação de forças da ONU no pós-Segunda Guerra tinha um caráter de classe absolutamente diverso do que será com o avanço dessas potências: enquanto nos anos 1950 e 1960, havia o bloco dos países socialistas como representantes do proletariado como polo dessa disputa, contra um polo imperialista, o que temos hoje é a disputa por um lugar mais privilegiado e destacado na cadeia imperialista global. O segundo, mais profundo, é a crença de que a disputa por mercados, territórios e exportação de capital, ou seja, a disputa interimperialista pode ter uma solução “positiva” para os trabalhadores se não houver um processo de revolução social liderada para o proletariado, ou seja, se for resolvida em novos “equilíbrios” precários de força entre os países capitalistas.

A outra visão, que julgamos correta, é exatamente a estratégia socialista revolucionária, isso é, que a saída para o atual quadro de guerras, sofrimento e pauperização das massas trabalhadoras não será alcançada depositando esperanças nas forças burguesas de qualquer lado, mas na própria organização da classe trabalhadora em luta. Se entendemos, como Lênin apontou ainda em 1917, que estamos na fase imperialista do capitalismo, isso é, sua fase monopolista, não há como romper com o imperialismo sem romper com o próprio capitalismo; não há, portanto, qualquer saída “anti-imperialista” que possa ser conjugada com o apoio a nenhuma burguesia, de nenhum país.

É aqui que mora o núcleo internacionalista da luta dos trabalhadores: a unidade de trabalhadores russos e ucranianos na atual guerra interimperialista, que já completou três anos, para derrubar suas próprias burguesias é a única forma de encerrar a guerra com um verdadeiro saldo para os trabalhadores desses países e do mundo todo. Uma vitória da burguesia ucraniana e de seus aliados da OTAN é a vitória do imperialismo do bloco EUA-UE; a vitória da burguesia russa e de seus aliados é a vitória do expansionismo russo. A revolução socialista é a única saída para os trabalhadores tomarem as rédeas de seu destino.

Onde, no entanto, entra a questão dos Estados-nação, que são a base para uma miríade de “organismos internacionais”, como a ONU? As nações como as conhecemos hoje são uma forma específica de organização da superestrutura da sociedade que surge com o capitalismo, em sua fase de ascenso. A burguesia como classe revolucionária pôde reorganizar em outros termos o que, até o feudalismo, havia dividido os diversos povos por sua existência como súditos ou servos. Assim a nação surge, no seio da Europa, como um processo de centralização voltado para as novas necessidades do mercado – o que envolvia também a proteção relativa dos lucros da burguesia de uma ou outra nação. Ao mesmo tempo, produzindo-se como classe dominante, essas frações nacionais das burguesias se engajam em um nível de concorrência entre si, e, para isso, mobilizam cada uma a seu modo as classes dominadas em seu país, criando o nacionalismo como forma ideológica de amálgama entre classes com interesses distintos.

O processo se desdobra e complexifica, sem perder seu conteúdo, quando falamos da fase imperialista do capitalismo, em que “[o]s monopólios, a oligarquia, a tendência para a dominação em vez da tendência para a liberdade, a exploração de um número cada vez maior de nações pequenas ou fracas por um punhado de nações riquíssimas ou muito fortes” deram origem aos “traços distintivos do imperialismo”, como nos diz Lênin, no Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo. É por isso que, para os comunistas, a autodeterminação das nações é um ponto-chave: minando a opressão nacional direta, maiores são as possibilidades do proletariado agir como classe independente e derrotar a sua própria burguesia – como coloca Stálin, em O Marxismo e a Questão Nacional.

A burguesia sempre se aproveitará das contradições desse processo para, ela própria, garantir o cabresto na boca dos trabalhadores – e o surgimento de uma camada da aristocracia operária nas grandes potências, que recebe as “migalhas mais generosas” que a burguesia tira da pilhagem colonial, é a demonstração disso. Da mesma forma, nos países dependentes ou mesmo nos países colonizados, utilizará da demagogia falsamente “anti-imperialista” para manter os trabalhadores sob seu controle, enquanto ela própria confraterniza com seus aliados imperialistas. Não há maior exemplo disso hoje do que no conflito entre Israel e Palestina: enquanto os trabalhadores israelenses são aliciados com os benefícios de uma supremacia étnico-racial pela política colonial do sionismo, e caem sob a direção política e ideológica de seu Estado colonial, de sua burguesia e do imperialismo; na Cisjordânia, a Autoridade Palestina negocia a solução de dois Estados e advoga pelo desarmamento da resistência, o que só pode levar a mais derrotas e mais opressão contra os trabalhadores, em um caminho ainda mais longo ao socialismo. Sem organizações revolucionárias agindo como a vanguarda do proletariado e buscando unir os trabalhadores no rumo de um Estado único, democrático, laico e socialista, seguiremos reencenando a barbárie de 1947 indefinidamente.

Em todo caso, a existência de organismos como a ONU não passa de engodo imperialista, particularmente na atual correlação de forças. Qual pode ser, afinal, o resultado prático de um organismo cuja Assembleia-Geral já aprovou, desde 1992, 32 resoluções consecutivas contra o embargo criminoso dos EUA a Cuba, mas nada acontece? Ou se observarmos o próprio Conselho de Segurança da ONU, que não autorizou a intervenção militar dos EUA em Granada em 1983, no Panamá em 1989, na já citada Iugoslávia em 1993 e no Iraque em 2003, qual foi a sanção que receberam? Nenhuma.

Para nos livrarmos dessas ilusões, não há outra forma: é preciso assumir a necessidade – e possibilidade – historicamente concretas de que apenas sob o socialismo qualquer nação, qualquer país, qualquer povo poderá desfrutar de uma vida pacífica e desenvolver uma verdadeira cooperação internacional. Esse é o cerne do internacionalismo proletário, elemento fundamental do marxismo-leninismo.